Queria
que você passasse atrás de mim enquanto estou sentada na frente do computador e
meu corpo nem sentisse você passar. Pra lá e pra cá. Você passaria e seria a mesma
coisa que uma roupa tivesse escorregado do ombro da cadeira ou que o tapete da sala
tivesse suas cerdas bagunçadas pelas pegadas da gata. Sem ninguém perceber.
Nesse
monotom eu anoto as coisas que acontecem ao redor. O ônibus dando partida e
você do lado de fora, na calçada, teus olhos passando de janela a janela, até o
ônibus ir de vez e você ficar pra trás. Quantas janelas foram? Eu contei
quatro. Quatro vezes que vi teus olhos congelarem nos meus. Guardei pra sempre.
Dessa
dor que carrego no ombro esquerdo, sempre perto, traiçoeira, eu divago sozinha
quando é que, quando é que... ai dou conta, não sei o que. Presa num ruminar de
silêncio, as verdades evaporam pelo ar. A dor fica. A saudade, a coisa não
cumprida, a procrastinação que fica, e fica, e fica e faz um mal danado pra
gente. Sem contar naquelas coisas que a gente faz, fala, não sabe porque. Nunca
sabe porque.
Te
dizer que tenho conversas ligeiras contigo quando você não ta em casa. Coisas
que pra te dizer rápido teria que caçar o telefone e levaria tempo e a coisa já
teria passado. Converso com você sobre a gata escondida debaixo da cama,
tirando as espumas de lá e brincalhona me espiando, balançando a cola. Te conto
coisas como pra te lembrar do nosso passado. Não é incrível que a gente agora
tenha uma gata? Uma gata, veja só, a gente! Te faço lembrar daquela vez que a
gente voltou de Pelotas no ônibus, sentados lá no fundo, que você voltou o
caminho inteiro me olhando. Uma hora me olhando no olho, me fazendo gostar mais
de você e desse tom castanho meio chá.
Te
digo essas coisas a essa hora, porque já perdi a hora mesmo, e porque faz tempo
que não te escrevo. E porque também, aconteceram várias dessas coisas agora
enquanto você não tava. Pensei em te dizer todas, mas a gente só tem brigado,
discutido, você sabe. É mais fácil ficar só brava com você do que te dizer da
gata, de pelotas, do que eu comi, do que eu pensei. Tudo fica difícil quando a
gente ta mais longe do que a distancia física.
E
por isso te digo, repito, dou esse nó nessa conversa sem jeito, que o que eu
queria mesmo era me enjoar de você. Do cheiro do teu moletom, por exemplo. Mas daí,
escondo o rosto no teu peito e afundo lá a cara no meio daquele algodão de cor
azul e laranja, com cheiro tão teu. Do teu cabelo quando tu acorda, das tuas
caras de birra e sono. A melhor delas: quando você ri. É tão raro que eu
registro triste pensando se a culpa é minha ou o que. Mas registro. Você rindo
de calção, sem camisa, as dez da manhã na cozinha enquanto eu danço na tua
volta te pedindo café.
Se
eu pudesse de fazer lembrar de uma coisa seria de uma música.
Depois
disso não seria nada como eu te amo, ou eu to com saudade ou coisa e tal,
aquela coisa de que tu já sabe bem.
Seria
mais algo como pra te fazer lembrar dos dias azuis. E dos que ainda podem vir.
Annabel
Laurino
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