Ah Zé, vem me abraçar. Vem agora antes que eu sucumba nesse colchão desse quarto tão pequenino e com tantos livros. Eu não quero pensar em mais nada, eu não quero mais ter que decidir, eu me rendo. Eu admito. Eu não sei amar.
E como não sei amar Zé, nem vem. Não vem me abraçar e nem cuidar de mim porque você só vai encontrar bagunça, desde as roupas jogadas para fora do roupeiro, a minha escrivaninha com pilhas de pratos e canecas usados, tudo revirado, os quadros nas paredes tortos, tudo uma baderna de coisas deixadas para trás após tocadas. Nem vem porque o meu mundo é um caos de confusão e desordem e eu não sei por onde começar. Você por aqui seria a coisa mais bonita entrando nos últimos dias, e ao mesmo tempo tão deslocado.
Não sei amar porque não aprendi ainda a como esquecer o meu egocentrismo, a minha necessidade, o meu egoismo. Ainda não me rendi a ninguém Zé, ainda não me feri por alguém. Ou melhor, sim, há muito tempo. Mas não era amor, ou era. Não sei dizer. Só sei dizer que doeu, muito. As vezes quando chove ainda dói. Lembro de ter te dito, Zé, que nunca mais na vida eu queria provar aquela dor e se aquilo era amor, bem, eu queria que o amor se ferrasse.
Depois de tudo, peguei minha mochila, enchi de suprimentos e me isolei nas montanhas. Recebi visitas continuamente, mas quer saber? Eu não queria mais assunto com a civilização. Não renunciei o amor por pouco Zé, por um tris. Dai percebi que era radical de mais, infantil de mais. Já não me bastava ser tão torta e eu queria ir contra a massa de vez, renunciar o amor era suicídio social acima dos padrões admitidos.
Dessa forma eu desaprendi o que eu nunca soube de verdade, se era a maneira certa ou se era mesmo aquilo. Não sei nada sobre o amor, não sei nada sobre amar. As vezes invejo essa gente toda que enquadra o amor em molduras bonitas de frases perfeitas, que expõem ele para a literatura de páginas amarelas e com capa chamativa. Invejo todos eles, acho um máximo essa coisa de saberem algo sobre o amor, ou nas menores e mais prováveis das hipóteses, eles saibam tanto quanto eu, o que me falta é literatura.
Abraço o meu corpo como forma de que só eu mesma me sirvo. Que eu me cuido, que eu me dou segurança. Mas quando ja não consigo mais ignorar, a vontade é voltada sempre para um rosto desconhecido, o outro. Nos meus sonhos mais lúdicos eu chego a imaginar uma vida perfeita, com uma pessoa bacana, que fale de filmes e livros e saiba cozinhar. Que trabalhe, não queira filhos e que me leve para jantar aos finais de semana. Nos meus sonhos mais lúdicos eu aceito as imperfeições de outra pessoa como se fossem as minhas, as minhas imperfeições que eu abraço agora, forte e atentamente, sabendo que vão além das imperfeições físicas, que as imperfeições físicas nada tem a ver com isso, que há aquelas mais de dentro, mais da alma, do próprio ser.
Para alguém que não sabe amar até que eu entendo um pouco de dividir o espaço, de dividir uma boa caneca de café. Para alguém que não entende nada de amor, eu sei falar de meias e inverno, mas sei que isso não basta.
Zé, as vezes eu choro baixinho, choramingo, na verdade. Bate uma saudade de algo que eu nunca tive e sempre sonhei em ter. Bate uma vontade de ter um guarda-chuva pra dividir num dia cinza. Eu queria entender como é o amor da parte mais feia dele e depois me encantar pela bonita. Para isso é necessário paciência, eu sei. E é o que menos me sobra.
Quero ser amada mas não sei amar e isso é tão feio que eu me envergonho. A minha companheira de quarto com quatro patas apenas me olha e me da uma lambidela de conforto. Tudo bem.
Com esses dias frios ainda em frente eu penso em mudar a cama de lugar e tirar essa bagunça de vez do quarto, para poder te receber, Zé. Talvez você me traga boas novas, coisas limpas, lenços perfumados de Paris e bombons recheados de creme de menta. Talvez você me traga abraços e carinho e um cafuné também. Esperarei, amigo. Esperarei dias melhores, esperarei pela paz de um coração tranquilo, esperarei aprender a amar. Esperarei.
Porque é isso que se faz quando não se pode mais desesperar. Se desesperar.
Annabel Laurino