segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Sobre os olhos e as luzes

    Nas conotações azuis dos meus dias, são seus olhos castanhos dourados que salpicam doçura onde antes havia tédio. São teus olhos que eu vejo quando eu fecho os meus, castanhos dourados, brilhando por trás das lentes de teus óculos lascados. São teus olhos que me seguem nas ruas, que lambem as curvas delineadas do meu corpo, que riscam no meu rosto palavras eternas e mais, escrevem os caminhos por onde eu devo ir. Teus olhos.
    Mas eles ainda estarão lá quando eu abrir os meus olhos? Eu já não sei mais, é recém segunda feira, falta muito para a semana acabar. Ontem era domingo, o pior domingo do ano. Sim, o pior domingo do ano. E hoje é segunda, como aponta o calendário. Chafurdo no café quente disposto sobre a mesa, pululo e danço em meio as minhas palavras que não são nem claras e nem doces, dolorosas. Dolorido-só. Já viu coisa mais horrível que essa? Dolorido-só.
    Dessa vez eu não fiz um coque no cabelo com um lápis colorido e nem liguei o som para escrever no embalo de uma musica gostosa, não há intenção de escrita, dessa vez é apenas eu mesma falando por mim, descontando nos dedos a pressão latente de um coração quebrado, amassado. Seus olhos não estão aqui agora, eles sumiram. Quem apagou a luz?
    Dormi a noite inteira, a mão ao lado do corpo, morta por cima do colchão quente procurando qualquer coisa vaga como a tua coxa, o teu braço, o teu peito ou o toque rijo dos teus pelos me roçando a mão. Dormi a noite inteira sem saber se acordava ou dormia um pouco mais, quando acordei era dia, o sol forte batendo na janela ao lado da cama, o telefone tocando, era você. Mas, teus olhos não estavam mais lá.
    Teus olhos. Teus olhos e você. Engraçado, minha avó dizia uma coisa interessante, os olhos são a janela da alma. Poético, clichê, que seja. Eu achava o máximo, eu com uns centímetros a menos, minhas pernas roliças e minha franja de boneca, achava tudo aquilo muito grande de se imaginar. Quer dizer que eu podia espiar uma pessoa por dentro dela mesma só de olhar em seus olhos? Genial.
    Quando olhei seus olhos eles eram tudo, eles eram o mar revolto em meio de um lugar gélido onde não existe calmaria. E se eu quisesse, e se eu fizesse, e eu fiz, eu sou curiosa, eu poderia espiar por dentro deles e ver uma paz amiga e serena, uma coisa muito branda, muito branca, era de uma alma clara e tranquila. Uma alma azul.
    E porque eu falo isso? Eu não sei, não há intenção. Sou só eu e o meu café espiralando sua fumaça aqui, nada mais, não há nada a ser dito e ao mesmo tudo. E eu digo lento, gaguejo no meio de uma frase, escondo nas entrelinhas, sussurro lentamente, eu digo claro que essa coisa ferrenha e estúpida, tão má e bonita, ela dói.
    Não era para doer, era para doar. Sim. O amor deve ser soma. Coisa aberta, fresca, nova, clara. Ah eu quase liguei agorinha mesmo para o meu amigo distante, o Zé. To afim de chorar um pouquinho no ombro de alguém, porque as vezes parece que eu sei lidar, mas eu não sei. As vezes parece que eu sou forte, mas eu nem sei de onde tiro essa coisa chamada força. Eu quase peguei o telefone, mas me veio outra coisa na cabeça e então eu esqueci. Já falei tanto de você para ele, contei de Paris, Gramado, o apartamento próximo a praia. Coisas boas. Dessa vez eu ia só chorar, falar de ontem, falar da dorzinha amarga que fica latejando no peito e que parece que ninguém sabe entender.
    O meu café e eu. Somos só nós dois. Eu lembrei de uma musica agora, uma musica francesa muito bonita, ontem mesmo, ao chegar em casa com um vazio imenso eu devo ter ouvido repetidas e inúmeras vezes e se não fosse tão dramático assim, mas já sendo, o mundo poderia ter acabado e salvado apenas aquela musica. Se esvaído em uma explosão lenta de faíscas douradas e azuis. A musica é linda, mandei para o Zé, tinha algo no meio que eu lembro agora, algo assim ”Balayé les amours avec leurs trémolos. Balayés pour toujours. Je repars à zéro.”.
    Coloco a musica para tocar. E ela toca, meneio a cabeça, penso nas luzes, nas luzes simplesmente. E penso nisso por um bom tempo.
     A unica pergunta que fica, dura e fria, escondida em um canto onde ninguém pode ver é essa "Quem apagou as luzes?".



Annabel Laurino