segunda-feira, 18 de março de 2013
;
Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para, porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da concha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão. No meio da fome, do comício, da crise, no meio do vírus, da noite e do deserto - preciso de alguém para dividir comigo esta sede. Para olhar seus olhos que não adivinho castanhos nem verdes nem azuis e dizer assim: que longa e áspera sede, meu amor. Que vontade, que vontade enorme de dizer outra vez meu amor, depois de tanto tempo e tanto medo. Que vontade escapista e burra de encontrar noutro olhar que não o meu próprio - tão cansado, tão causado - qualquer coisa vasta e abstrata quanto, digamos assim, um caminho.
Caio Fernando Abreu
Espirito Impaciente
Sou um espírito impaciente, por natureza sóbria e
consciente. Se você diz que chegara as dez, e se as dez e um ainda não tiver
chego eu estarei fechando as janelas, passando o trinco na porta, pelo lado de
fora, e tomando um rumo qualquer sem deixar bilhete grudado no batente. Sou
criança, mimada, manhosa, mas sei quebrar vidros, queimar fotos e me esquecer
do passado com um estalar de dedos, friamente calculável. Eu sei, eu tenho
minhas manias, beber café antes de dormir, ficar indecisa com qual leitura irei
iniciar e ficar chateada por não me decidir, cheirar livros, falar sozinha,
beber chá depois do almoço, falar com os animais como se fossem gente e pedir
meus momentos de solidão, para que eu possa desfrutar da minha leitura, ou da
minha escrita, que vezes me ferem agudas.
Em questão física,
eu sou quase imperceptível, mas sou macia como um lençol d’água, flexível e
dobrável, olhos, cabelo, boca, tal como você também tem. Dias eu acordo tão
transparente e dias eu acordo cinzenta, como um céu nublado cheio de nuvens
carregadas de tempestades.
Procurarei nos seus
braços um abraço de conforto e nas suas coxas um colo para que eu possa me
deitar e no seus ombros um ombro para que eu possa reconfortar meu rosto e
pedir alento, ou amor, ou carinho, tanto faz. Procurarei na tua boca um beijo,
mas não qualquer beijo, um beijo de verdade, que desperte sentidos, que acorde
da mesmice diária como uma injeção de ânimos.
Não acredito em
meio termo, mais ou menos é pior ainda. Não existe amor mais ou menos, carro
mais ou menos, casa mais ou menos, as coisas são ou não, de mais ou de menos,
mas são. É tudo ou nada. Não quero que você segure a minha mão se tem a
intenção de solta-la amanhã, você tem que segurar a minha mão acima da
incerteza do futuro, porque você quer segura-la e ponto. Não importa se você
não pensa em passar o resto dos seus dias comigo, mas que você quer passar o
próximo momento mais duradouro da sua vida ao meu lado.
Eu não vou te ligar
no meio da noite implorando para que salve a minha vida, porque eu descobri que
a única pessoa que pode salvar minha vida sou eu mesma, independente de alguém.
E também não irei mentir, eu não minto. Quase sempre, ou sempre, responderei
uma de suas perguntas com tanta sinceridade que te surpreenderás, engasgarás
magoado ou ferido pelo golpe no estomago que não esperavas, e depois pensaras
que é melhor assim, no meio do vicio, do comício, da dor, do desespero, da
perda, dos olhos fatigados e das noites agourentas de madrugadas ensandecidas,
pensarás que melhor mesmo é ter alguém que diga sim ou não e que te olhe dentro
desse teu olho marejado de saudade todas as coisas que ninguém ainda teve
coragem de te contar. E talvez, só talvez, essa seja uma das minhas, se não a
maior, qualidade. Não te escondo nada, firo, mas sou sincera e nua como a
verdade incontestável.
Annabel Laurino
Texto escrito 08/09/12
Assinar:
Postagens (Atom)