sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Carta Extraviada


    Por que não somos mais como eramos antes meu amor? O que foi que aconteceu? Foram as cobranças excessivas  os ciumes disfarçados e reprimidos, as brigas, ou sou eu, meu jeito durona e sempre briguenta, incompreensível?
    Engraçado, mas quando o titulo de incompreensível vem a tona eu nunca o consigo vê-lo em mim porque me recordo bem, desde o primeiro instante, de como compreendi cada forma sua de ser, casa minusculo funcionamento obscuro, suas engenhocas mecânicas, sua parafernália sentimental já quase enferrujada. Eu abri meus braços e pus luz na casa para que você me visse também, te recebi tão bem, claro, bonito. E sempre fomos tão amigos, mas agora, nos últimos tempos, o que vem acontecendo?
    Não sou do tipo de pessoa que guarda magoas, ou que admira uma briguinha no pódio da estante, mais uma para a coleção. Eu dou os meus últimos centavos dos bolsos para nem se quer entrar em um desentendimento, eu sou péssima em brigas, eu perco a calma. Por isso eu venho pensando o quanto era bom quando a gente era só a gente e nada mais. Só a gente, entende? Sem nada, sem rótulos, sem domínio  pose, essas coisas. Eu sei lidar com isso, me pergunto as vezes se não é você que não sabe.
    Dai eu achei umas cartas, papéis de bombom, fotos nossas impressas e guardadas naquela caixa em cima dos livros, tanta coisa e coisas mais que a gente já fez nesse tempo. Ingresso de cinema, teatro, ida a cafeterias e toda nossa excursão pela cidade, com nós mesmos, aquelas risadas, aqueles sorrisos, os abraços e os beijos nos dias de partido, e tudo mais que ficou guardado, me lembro bem desde o primeiro instante, ficou na minha retina a minha voz chamando teu nome e eu indo correndo te beijar, você parado, surpreso, correspondendo o inesperado.
   Lembra como era bom?
   Ainda é bom, é claro. Sempre é bom. O teu cheiro no teu cangote, o teu sorriso iluminando meus dias, os teus beijos, tuas mãos sobre meu corpo nu e nós na tua cama, no teu quarto, perdidos em qualquer lugar por ai, a gente conversando, nossas conversas introspectivas e metidas a filosóficas  tudo tão... nosso. Mas pena que algo vem a quebrar esse nosso encanto de ser a gente. Vem arranhando nossa cobertura, tinindo nos vidros, rachando as paredes.
    E eu não sei mais o que eu faço. Fico presa no passado doce e querendo colar uma foto perfeita numa moldura quase quebrada. Eu olho pra gente e amo tudo, você e o que a gente tem. Mas é quando a faixa muda e a gente começa a se estranhar, falar outra língua, você não me entendendo e eu, não conseguindo nunca te compreender direito. Então eu canso, sem fôlego  suada, fatigada, clamando por trégua até que tudo passe, mas não passa, parece que passa, dois dias talvez e lá estamos nós novamente, nos estranhando, nos olhando torto, palavras duras cheias de espinhos. E eu não consigo, não suporto sobreviver com isso, com o feio de algo que já foi tão bonito.
    A gente faz o que quando o barco começa a apresentar seus primeiros furos?
    A vontade é de remar e remar e de continuar e continuar até o fim. Por que é você, sim, é você. Mas sou eu? Sou eu para você?
    Tão diferentes a gente, tão desconexos, desligados, perturbados e malucos. Eu querendo te morder o tempo todo e você não entendendo minha gula pelos livros, assim, sei lá. Fico idealizando porque viver tão sem explicação já tão ta adiantando. A gente deixou a porta aberta para as brigas  bobas, fofocas alheias, dicas amigas e coisas assim. Eu ainda permaneço cristalina e sóbria, a mesma. Mas você, assim, tão diferente.
    Dai eu fiquei aqui por um tempo, pensando. Ta uma chuva horrível lá fora. É quase como uma despedida, uma lavagem na alma, uma musica que abranda. Eu queria que você fosse passado, presente e futuro, que você ficasse. Mas será que você já não ficou? 
    Vai ver é isso, é verdade que o eterno não dura para sempre, ele dura um tempo determinado para que seja bom, seja lindo. E foi bom, foi lindo. Teve luz, teve paz, teve tudo. 
    Mas e agora, quem somos nós?




Annabel Laurino

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Mas eu já não ameaço mais ir embora. Um dia, de repente, eu simplesmente vou.

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Como não consigo ser mal, aprendi a ser irônico.


CFA