quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A perda da conta dourada

    Quinta feira é um dia tão normal da semana. Quinta feira, hoje, começou estranha para mim. Primeiro porque tinha acabado o café. E o dia não pode começar sem café. É tão boring, tão saco, tão triste. Descabelada, de pijama amarrotado, cara amassada, 'merda' pensei, acordar sem café é como ir em aniversário de criança e descobrir que não tem negrinho. 
    Olhar aquele pote de vidro reaproveitado de picles vazio do meu café de sempre, só com uns últimos flocos negros no fundo, foi broxante no mínimo. Cabral, eu precisava comprar café, sem ele o dia não começa bem, embora já tivesse começado a algumas horas. 
    Ranzinza, eu me sentia assim. Nostálgica. Até uma folha caindo no meio da construção dos fundos da minha casa pareceu poético, triste, tão desconexo e ao mesmo tempo tão no seu lugar. Algo ficou fervilhando num canto escondido da minha mente, escondido até das minhas percepções mais perspicazes. Dos meus sensores mais rápidos. Algo que deveria mesmo estar escondido, era esse seu lugar, o canto escuro da minha mente, para que nem eu mesma visse, e que talvez, eu mesma o tenha forçado a estar lá.
    Calcei os sapatos depois que vesti as calças. Como deve-se fazer. E nos meus sapatos pretos de contas douradas, eu vi. Faltava uma conta. 
    Pequenina, dourada, minuscula. Ela caiu, ou eu a perdi, sabe-se lá onde, quando, como. Faltava a minha conta dourada no meu sapato preto e o sentimento foi o mesmo de ver o meu vidro de picles sem o café. Respirar fundo e mentalizar coisas boas não iria funcionar, eu já estava avançando de uma etapa ranzinza para um mau humor total.
    Para completar, juntamente com me sentir mau humorada eu me senti nostálgica. Filosofa. Ah, lá se foi a minha conta dourada. E da conta dourada, do meu café preto, tudo isso que me faltava eu nem quis mais sair de casa. Perdi a vontade. Ela sucumbiu, saiu correndo para debaixo da cama e se escondeu. Nisso tudo, o que estava lá no fundo obscuro da minha mente resolveu dar as caras e veio dando olá, fazendo barulho, arrastando coisas e tirando outras de lugar enquanto desestabilizava tudo. 
    A sensação foi mais forte, porque ainda olhando para o meu sapato com aquela estranha falta de uma conta que ligava todas as outras, parecendo até um sorriso sem um dente da frente, foi como me senti quando pensei nele, nele. É. Ele. Ele mais do que a minha conta dourada dando falta ou o café preto sem réstias no fundo do vidro. 
    O que já era pior se tornou uma catástrofe e o dia seguiu assim, musicas de Frank Sinatra, sem nenhum café para acompanhar e um sol e depois uma chuva dando alivio e um sol dando socos na minha cara novamente, e vento frio e gente me empurrando nas ruas como se não houvesse amanhã. Claro, e o meu sapato com uma conta faltando. 
    Várias vezes tive vontade de voltar para a cama e dormir e dormir. Porque como já dizia Caio Fernando Abreu, dormir é o melhor remédio, ele remedia alguns problemas. Sendo assim eu queria fazer exatamente isso. Mas também não pude. 
    O dia acabou.
    Comprei mais café para o vidro de picles.
    Não encontrei a minha conta dourada do sapato preto, mas substitui por outra, ficou estranha, meio desloucada no meio das outras iguais. Assim é a vida.
    Continuei nostálgica.
    E ele? Ele é a minha conta dourada perdida numa calçada suja por ai. 
    Assim é a vida. Conclui.






Annabel Laurino