quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Les amants de la pluie

Como não podia ser diferente, o céu está despencando água lá fora nesse exato momento. O mesmo céu que anunciava chuva quando você foi embora, pisando no chão de uma rua encharcada e com poças d’água que refletiam as luzes douradas dos postes de luz, luzes solitárias e dançantes. O céu que agora enxuga-se de pingos sinfônicos é o mesmo que testemunhou tua partida, acenando-me ao longe, enviando no ar beijos que me alcançaram numa saudade que está aqui, presente.
Com um céu tisnado de cinza, brilhante e inflamado de sentimento londrino, com ruas úmidas e abraçadas por uma chuva fraca e fina, nós caminhamos. Flaneuriamos, costurando calçadas com os nossos passos titubeantes e frenéticos, alegres e sonhadores, dividindo conversas, mordiscando nuvens imaginárias. Foi assim que caminhamos pelas ruas, braços dados, cúmplices apaixonados escondidos pelo seu guarda chuva que carregavas em uma das mãos, a mesma que, quando não ocupada, afaga meu rosto desanuviando pensamentos ruins.
Te falo de Flâneur. No teu ouvido eu digo palavras em francês e tu sorri colorido, refrescando os dias carregados. Te trago nos braços uma bagagem de literatura, parafraseio histórias, te conto dos meus avós e quando menos espero, te vejo compartilhando comigo minhas memórias, minhas lembranças e em meio a uma das tuas lágrimas frescas eu vejo meu rosto refletido nos teus olhos transbordantes de uma sinceridade luminosa.
Somos abençoados, sei disso quando ao te abraçar, com o rosto colado no teu peito, sinto teu coração disparado a me anunciar aquilo que nem teus braços conseguem me dizer. Não são culpa deles, dos teus braços, pois nem meus olhos te dizem tudo o que eu gostaria que eles dissessem. Nem meus braços, meus sorrisos, meus dedinhos inquietos e minhas palavras pausadas em ósculos estalantes, meus bilhetes ou minhas cartas ou meus textos, nenhum deles conseguem te dizer aquilo que no peito está contido junto ao titubear frenético de um coração diletante.
Os cantos dos meus lábios te agradecem por teres feito tantas cócegas neles nos últimos dias. E sorrio, dou risada, riso bom, riso doce, riso que só tu tens me feito dar. Aliás, tens feito muitas coisas. É você quem trouxe a França novamente pra minha vida, de repente a Zaz não para de tocar aqui na minha caixinha azul e todas as baguetes, madeleines, Notre Dame e Point Zero se fizeram presente novamente, até mesmo a Beauvoir e o próprio Hemingway vieram me visitar. É você quem tem colorido os dias, feito o céu chover todo multicolorido, multifacetado de alegrias esculpidas em pequeninos pingos gelados que explodem no meu telhado, ribombando felicidade açucarada e azul.
Sento diante dessa máquina e a mesma boca que tem tantas coisas pra te dizer, é a boca que dita ordens a esses dedos inquietos que querem te escrever, te contar, te mostrar coisas, te delinear as matizes e conotações tão belas que estão contidas na minha mente que não podes ver, mas sabes que quero que conheças. Sento diante dessa máquina e te escrevo, te escrevo numa pressa sem fim, te escrevo palavras que com a impetuosidade que apenas o Louvre poderia ter, mostram-se sinceras e verdadeiras. Até mesmo nas entrelinhas, nas linhas imaginárias e nas não imaginárias, nas com marcas de batom vermelho e nas sem marca alguma, pois apenas são.
Como não podia ser diferente, eu te escrevo no meio de um temporal que promete ainda mais chuva. Como não podia ser diferente eu te escrevo com os dedos quentes por terem acabado de segurar uma caneca de café. Ah, o café! A analogia perfeita... Quero beber desse café, até a ultima gota, quero esse café forte, quero esses dias cinzas mais vezes. Chuva e arco-íris, literatura e música,  Deus e a eternidade gloriosa em luz, tudo num universo dissonante que anunciará coisas boas, perfeitas e agradáveis. Quero tudo, quero já. Quero a chuva nossa de todos os dias, quero os ósculos sem fim. Quero us.
Arcoirieiraremos.




Annabel Laurino


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