Como
não podia ser diferente, o céu está despencando água lá fora nesse exato momento.
O mesmo céu que anunciava chuva quando você foi embora, pisando no chão de uma rua
encharcada e com poças d’água que refletiam as luzes douradas dos postes de
luz, luzes solitárias e dançantes. O céu que agora enxuga-se de pingos sinfônicos é o mesmo
que testemunhou tua partida, acenando-me ao longe, enviando no ar beijos que
me alcançaram numa saudade que está aqui, presente.
Com um céu tisnado de cinza, brilhante e inflamado de sentimento londrino, com ruas
úmidas e abraçadas por uma chuva fraca e fina, nós caminhamos. Flaneuriamos,
costurando calçadas com os nossos passos titubeantes e frenéticos, alegres e
sonhadores, dividindo conversas, mordiscando nuvens imaginárias. Foi assim que
caminhamos pelas ruas, braços dados, cúmplices apaixonados escondidos pelo seu
guarda chuva que carregavas em uma das mãos, a mesma que, quando não ocupada,
afaga meu rosto desanuviando pensamentos ruins.
Te
falo de Flâneur. No teu ouvido eu digo palavras em francês e tu sorri colorido,
refrescando os dias carregados. Te trago nos braços uma bagagem de literatura,
parafraseio histórias, te conto dos meus avós e quando menos espero, te vejo
compartilhando comigo minhas memórias, minhas lembranças e em meio a uma das
tuas lágrimas frescas eu vejo meu rosto refletido nos teus olhos transbordantes
de uma sinceridade luminosa.
Somos
abençoados, sei disso quando ao te abraçar, com o rosto colado no teu peito,
sinto teu coração disparado a me anunciar aquilo que nem teus braços conseguem
me dizer. Não são culpa deles, dos teus braços, pois nem meus olhos te dizem
tudo o que eu gostaria que eles dissessem. Nem meus braços, meus sorrisos, meus
dedinhos inquietos e minhas palavras pausadas em ósculos estalantes, meus
bilhetes ou minhas cartas ou meus textos, nenhum deles conseguem te dizer
aquilo que no peito está contido junto ao titubear frenético de um coração
diletante.
Os
cantos dos meus lábios te agradecem por teres feito tantas cócegas neles nos últimos
dias. E sorrio, dou risada, riso bom, riso doce, riso que só tu tens me feito
dar. Aliás, tens feito muitas coisas. É você quem trouxe a França novamente pra
minha vida, de repente a Zaz não para de tocar aqui na minha caixinha azul e
todas as baguetes, madeleines, Notre Dame e Point Zero se fizeram
presente novamente, até mesmo a Beauvoir e o próprio Hemingway vieram me visitar.
É você quem tem colorido os dias, feito o céu chover todo multicolorido,
multifacetado de alegrias esculpidas em pequeninos pingos gelados que explodem
no meu telhado, ribombando felicidade açucarada e azul.
Sento
diante dessa máquina e a mesma boca que tem tantas coisas pra te dizer, é a boca
que dita ordens a esses dedos inquietos que querem te escrever, te contar, te
mostrar coisas, te delinear as matizes e conotações tão belas que estão
contidas na minha mente que não podes ver, mas sabes que quero que conheças.
Sento diante dessa máquina e te escrevo, te escrevo numa pressa sem fim,
te escrevo palavras que com a impetuosidade que apenas o Louvre poderia ter, mostram-se
sinceras e verdadeiras. Até mesmo nas entrelinhas, nas linhas imaginárias e nas não imaginárias, nas com marcas de batom vermelho e nas sem marca alguma,
pois apenas são.
Como
não podia ser diferente, eu te escrevo no meio de um temporal que promete ainda
mais chuva. Como não podia ser diferente eu te escrevo com os dedos quentes por
terem acabado de segurar uma caneca de café. Ah, o café! A analogia perfeita...
Quero beber desse café, até a ultima gota, quero esse café forte, quero esses
dias cinzas mais vezes. Chuva e arco-íris, literatura e música, Deus e a eternidade gloriosa em luz, tudo num
universo dissonante que anunciará coisas boas, perfeitas e agradáveis. Quero tudo,
quero já. Quero a chuva nossa de todos os dias, quero os ósculos sem fim. Quero
us.
Arcoirieiraremos.
Annabel
Laurino