Vou
escrever pausadamente. Em pausa, ao som de queda livre, numa mistura singela de
cacos de vidros. Uma cacofonia de coisas que quebram. Vou escrever triste em
uma manhã ensolarada. Vou escrever quente em um dia frio.
O café perdeu o gosto. O barulho do
relógio fazendo tic e tac, tic e tac enquanto os meus olhos procuravam
encontrar teu rosto. Tic e tac. Um rosto vermelho. Um rosto estranho. Do lado
de fora um carro passa arranhando os pneus no asfalto. Um miado agudo vem
manhoso do telhado da casa. Da sala, o burburinho da televisão ligada, passando
um programa culinário.
Meu peito inflando. O som do ar
entrando e não saindo. E depois nem entrando. Um peito inflando. Seus olhos
perdidos. Duas órbitas perdidas na vastidão de um chão sujo, empoeirado.
Inflando. Espero a resposta. A atmosfera muda, transmuta, sucumbe. Queda livre.
Pressão baixa. Um comprimido de Rivotril tomado.
Nada.
Nada.
Satélite em busca.
Droga, não é assim, não é assim. A
resposta, eu preciso de uma resposta. Desespero. O nó na garganta. O
irremediável. O nó que arranha a garganta seca. A secura. A loucura de remediar
os danos. Impossível. Desespero. É que eu não te mereço. A resposta. Ela vem
com a calmaria vertiginosa que a queda tem. Veio lento, jogando fora todos os
cartões que você me deu. Fotos nossas perdidas num segundo de resposta.
Nada mais foi dito. Ou foi, mas não
vale o registro caótico. Não foi importante, nunca é. Me levantei. Um pé
dormente, as mãos geladas. A sensação do piso frio ainda em contato com a
carne. Um nada. Seus olhos olhando o chão. Tudo bem, tudo bem. A voz rouca, a
minha voz rouca dizendo que tudo bem. A mão, a minha mão, alcançando a maçaneta
da porta. A mão tocando no metal frio. Tudo bem, mais uma vez, antes de sair.
Uma orquestra de coisas que quebram.
São ordenadas, até mesmo. E o que eu tinha pra dizer e não disse ficou na
garganta. Entre o nó e a partida. A mão na maçaneta da porta ainda e depois o
clic agudo com ela se fechando. Tinido de cacos.
Você só precisava ter tentado. Eu
nunca disse. O maestro encerrou sua orquestra sinfônica. Dó menor.
Dó-re-mi.
Annabel Laurino