segunda-feira, 14 de julho de 2014

1/2 ?

    Afaga essa minha cabeça de cabelos bagunçados e pensamentos tão tempestuosos. Me ajuda? Sim, me ajuda nessa crise diária de enfrentar o espelho com a cara lavada e não saber o porque que eu sou. Vicia em mim, cola em mim e me consola. Consola com um café, com um beijo, uma surpresa qualquer. Me faz procurar nos seus braços qualquer coisa como paz, tranquilidade, refugio e sossego. Seja o meu porto seguro, seja minha toca do coelho, alguma coisa palpável.
    Eu sei que ando muito desesperada, muito tudo. Eu sei, culpa do tempo. É esse clima todo daqui, não combina comigo, não me encaixo. E esses cabelos em pé, essa cara de sono, esses olhos vidrados, é tudo desespero. Não sei dizer. É a estática.
    Eu estou farta de ‘um meios’, ou de ‘três quartos’, não aguento mais rabiscar metades nos meus papéis, não aguento mais rabiscar metades na vida inteira. Porque tudo é feito de metades? A vida é um recheio feito só pela metade, o resto é fim. Literatura.
    Acho que os velhos e encardidos com suas roupas de final de domingo dentro daquele boteco lá fora onde eu consigo ver daqui de dentro pela janela do ônibus, concordam comigo. Seus cafés são servidos pela metade, assim como as pingas. E eles pagam um atrás do outro, todos eles. Porque o costume mantém o hábito e a coisa é assim, é um ciclo. A diferença é que eles sabem, em seus íntimos, e tem a cachaça como consolação.
    Mas não quero cachaça e nem pinga. E nem boteco nenhum, e nem reclamar em mesa de bar, colocando uma musica brega para tocar num jukebox dos anos 70 com luzes de néon. Nada disso. Mesmo que minha inclinação ao drama peça algo assim, mesmo que o caos de agora peça algo assim.
    Quero você e seus braços fortes, suas mãos, seus pés, suas pernas e seu corpo inteiro, inteirinho. Depois eu quero o que fica do lado de dentro, o que não pode ser tocado a não ser com os olhos, com o peito. Por falar nisso, me toca, vai. Me puxa, repuxa, abusa. Toca. Toca no fundo e me faz acreditar. Me para no meio do rabisco de uma metade no canto de uma folha qualquer e me faz ter um café completo, quente, encorpado, sem ser pela metade. Ou melhor, me faz ter você todinho, sem ser pela metade. 
    Ah, esses momentos de misantropia, se eu pudesse me desfaria de todos eles. Aglutinam minhas horas solitárias multiplicando cada segundo em duas horas, bebo o chá de cor vermelha, caminho, sinto o vento gelado batendo no rosto. Tudo gira sem sair do lugar.
    Eu não quero ser metade e nem um vazio inteiro. Eu quero transbordar. Eu quero o mais de todos os mais e muitos de um todo. Eu quero tudo. Com você.




Annabel Laurino