terça-feira, 18 de outubro de 2011

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2 Bicudos


Quando eu te vi andava tão desprevenido
Que nem ouvi tocar o alarme de perigo
E você foi me conquistando devagar
Quando notei já não tinha como recuar
E foi assim que nos juntamos distraídos
Que no começo tudo é muito divertido
Mas sempre tinha um amigo pra falar
Que o nosso amor nunca foi feito pra durar
Por mais que eu durma eu não descanso
Por mais que eu corra eu não te alcanço
Mas não tem jeito eu não sei como esperar
Desesperar também não vou
Não vou deixar você passar
Como água escorrendo nos dedos
Fluindo pra outro lugar
Ninguém pode negar que o nosso amor é tudo
Tudo que pode acontecer com dois bicudos
Não são tão poucas as arestas pra aparar
Mas é que o meu desejo não deseja se calar
Até os erros já parecem ter sentido
Não sei se eu traí primeiro ou fui traído
Não te pedi uma conduta exemplar
Mas é que a sua ausência é o que me dói no calcanhar.

Ana Carolina

Bons tempos quando...


    Bons tempos quando me deleitava como uma pétala vazia e seca sobre a cama quente e solitária. Bons tempos quando a mente nada guardava e o coração era apenas um compartimento que preenchia-se de lembranças, bons momentos, amigos e família. Amor com linha marcada. Nada tão ultrapassado assim.
   Ninguém perfurava a minha bolha indiferente e ninguém me tocava, cutucando lá dentro as coisas mais secretamente envolvidas dentro de mim.
    Agora é como correr contra o tempo, arrancar pedaços das paredes, chorar pelos cantos, soltar suspiros e pedir milagres sem fim. É como morder um pedaço de uma trufa, fechar os olhos e sentir o sabor, quando abri-los descobrir-se louco e insano, vertiginosamente viciado na trufa, até entender que ela, a pequena a trufa, é minúscula de mais para satisfazer tanta devoção e vicio.
   Que culpa tem a pobre trufa? Culpa tenho eu que não resisti em mordê-la, em comer seus flancos pedaços gostosos que multiplicavam-se gostosamente em picadelas agudas derretendo na ponta da minha língua quente, cada toque vaporosamente mais forte, mais preso, mais tocável e sentido. Não podendo fugir, sensações brutas latejando sem parar. Como sair disso? Desse englobamento colossal e reticular nervoso que só me recria e cria, me cola e me puxa em sabor, calor...
   Bons tempos... É verdade. Quando não sentia nada. Pesada feito pedra, fina e seca como papel. Me divertia solitariamente em colar figuras alegres nas paredes do meu quarto, dormir tranqüila no ressoar da noite, deitar a cabeça no travesseiro e só pensar no que fazer do outro dia, do quão legal foi ler determinado livro e o quanto a tarde de domingo foi divertida tomando café e rindo com as amigas...
   Puft.
   Algo estourou e me vejo perdida. Com uma trufa quente nas mãos e um gosto agridoce na boca espalhando-se com urgência para determinadamente todos os lugares de mim. Não sei mais o que fazer. Não consigo lhe tirar de mim.

Annabel Laurino.