Me veio na mente que somos infinitos. Tudo bem, essa ideia já me apareceu anteriormente, uma certa vez, enquanto lia um livro. Somos infinitos. Isso ficou batucando e ressonando lá no fundo do meu cérebro até agora, como uma torneira mal fechada, como um mantra sussurrado.
Eu percebi isso enquanto caminhava de volta para casa depois do inglês.
Você sabe, o outono está chegando. Daqui a alguns dias, eu já posso senti-lo. Havia aquela luminosidade no ar que só o outono trás, um ar meio apático e inaparente, os carros em suas travessias, o engarrafamento, as pessoas nas ruas, as árvores, o céu meio fustigado de cinza, aqueles jovens e suas camisas de banda, as mocinhas e seus cabelos extremamente compridos, os cachorros de rua e tudo e quase nada. Parecia até um cenário de filme. Estava escurecendo e os postes da cidade se acendiam. Estava escurecendo e de repente o clarão dos faróis dos carros se tornaram vaga-lumes pelo meio fio. Eu senti tudo ao mesmo tempo, uma nostalgia das grandes. Mas não me fez mal, eu me senti feliz por poder sentir tudo aquilo.
É engraçado como sobrevivemos. Sobrevivemos todos os dias. Ao vício, ao comício, a fome, ao escárnio, ao oportuno da vida e ao desespero do azar, à freada do destino, ao apático cinza da vida, ao amor esparramado no chão, as partidas e as saudades, aos choros, as lamúrias e aos dramas. Sobrevivemos irmão. E isso estava lá, muito claro. Tanta gente sobrevivendo e nem sabiam.
A terra começa a ficar meio úmida perto do outono. Tão cheirosa. E as folhas secas caem, e fica tudo tão lindo. Eu passei em frente aquela igreja toda impotente, parecendo um castelo, aquela que uma vez eu te pedi para desenhar para mim e você disse que sim, que iria, mas eu sabia que não iria, tudo bem, eu só queria te mostrar meu lugar favorito no mundo, era quase bem ali, sentada em frente aquela igreja.
Passou um ônibus por mim enquanto eu esperava atravessar a rua. O sinal vermelho para mim, verde para os carros. E eu fiquei esperando, olhei no relógio, troquei o peso do corpo para a outra perna e o ônibus passou. Eu olhei dentro e vi todos aqueles rostos cansados, alguns alienados, outros olhando para mim. E sabe o que mais? Eu me perguntei se você estaria naquele ônibus. Eu me perguntei e se você estivesse. Eu poderia levantar a mão, sorrir falsamente e enquanto você ia embora me olhando, dentro do ônibus partindo, eu ficaria ali parada, com a mão para cima em um aceno que nem chegaria a acenar e um sorriso murcho nos lábios que nem chegariam a se levantar.
Foi essa a história que eu criei na minha mente. Claro, você não estava no ônibus. Mas eu imaginei como se estivesse e tudo pareceu tão cinza quanto a cor do céu naquela hora do dia. Nos tornamos tão brutalmente cinzentos e apáticos um para o outro, o outono está chegando e eu me pergunto, qual serão as cores de nossos dias depois que o inverno engolir as flores?
Eu senti saudade. Do seu riso dardejado de entonações altas e gostosas e que invariavelmente acariciava os meus ouvidos. Era bom e gostoso e era divertido te ver rir, uma daquelas risadas que parece que ficam brincando com a boca da gente nos convidando a rir junto, seja lá o motivo que for. Eu senti vontade de rir naquele exato instante, contigo. Mas depois passou. Eu estava bem, o dia estava ótimo e a saudade afundou num looping rápido para o fundo da lagoa próxima.
Eu estava seguindo em frente sem perceber. Comecei a enfrentar a dor da partida. E pensei que foi melhor assim. Melhor quando alguém pega logo as coisas e simplesmente vai embora. Não há drama, só um vazio daquilo que descolaram da gente sem permissão. Eu fiquei com esse vazio, mas ta tudo bem. Eu não sinto raiva, dor, ou qualquer sentimento ruim. Só acho que poderia ter sido diferente. Assim poderíamos ter sido infinitos de uma melhor forma que não essa, dolorida e só. E sobreviveríamos de alguma forma humana que não essa tão infinita e ao mesmo tempo tão finitamente.
Annabel Laurino