segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Ao toque de mim

   Flagro a mim mesma dentro de mim, espiando-me. Olhe bem, junto comigo, porque agora eu deixo. Venha, pode entrar. Sinta-se a vontade, óh caro expectador e intruso. Entre e sirva-se de uma xícara de chá de hortelã, sente-se sobre o puf azul marinho e permita-se vislumbrar a mim mesma, dentro de mim. Porque agora, eu te permito. 
    Eis então, eu mesma, não eu cá como me conhecesses, eu presa nesta forma física que caminha, corre, fala, gesticula e se esconde fácil. Não o meu eu de óculos grande e mãos pequenas. Mas Eu, como não podias ver antes até que fosses convidado a entrar e te sentar comigo a ver então eu mesma por dentro de mim, aquela que ninguém conhece, aquela que está aqui mas ao mesmo tempo não está. Aquela que vos fala.
    Na minha imensidão de mim mesma penso constantemente o quanto, bem, o quanto o mundo é gigante. O universo é infinito. Os cosmos são perfeitos, as nuvens, incontáveis e estrelas são brilhantes. O mundo da voltas, todos os dias, o dia inteiro. Enquanto volta e meia um carro quebra, seu cabelo é lavado, alguém morre, você pega o ônibus, bebês nascem e mais bebês são feitos, a vida é dinâmica e nunca para, o universo não para, o mundo não para, o tempo não para. 
     Foi assim que num frenesi sem fim a imensidão das coisas se tornou evidente de uma forma unica nunca vista por mim, pois diminuiu ainda mais as pequenas coisas insignificantes, que são dadas muito valor. 
    E desta forma, foi assim, que agora, como podes ver, meu caro expectador, as paredes de onde você se encontra foram pintadas, veja, azuis. Sim, e não só isso, as janelas também. Por sua vez, os rodapés. E todos os móveis foram mudados de lugar, alguns incensos foram acessos, as roupas dobradas, veja, e os livros na estante foram reorganizados de uma forma mais elegante, mais convidativa aos olhos. Como você pode perceber, sim, tudo mudou dentro de mim mesma, dentro de mim. As coisas alteraram-se, muitas delas, foram recicladas, refeitas. Pensamentos antes impensáveis, hoje, são conclusões bem resolvidas, que tiro de letra. Mágoas, tristezas, essas coisas mais que prefiro nem comentar, bom, elas foram colocadas fora, não precisava mais daquilo tudo. 
     Bilhetes, cartas, fotos e cartões de Natal coloquei fogo em todos, não precisava mais daquilo tudo, a memória é um bom lugar para se guardar coisas e se ela já estava tão congestionada imagina minhas gavetas como não deveriam de estar. 
     O mundo particular de mim mesma dentro de mim se alterou por toda sua forma, cor, exuberância, essência, maneira de ser. Mudei-me no momento em que me permiti sentir ao toque. Que me permiti recomeçar. 
     O meu mundo não parou por nem um instante, e assim, enquanto um copo caia no chão, enquanto uma musica era tocada, um cão latia ou uma comida era preparada numa manhã de domingo, eu me refazia em pedaços, como se me construísse novamente para que eu voltasse a caber dentro de mim.
    Veja, você que foi convidado para entrar, veja com os seus próprios olhos, até onde eles lhe permitem enxergar. Ou se não, sinta como fluo, sinta como eu falo, sinta apenas. 
     É no toque que nos encontramos.




Annabel Laurino