Passei muito tempo fora de mim. Hoje eu sinto que estou mais dentro, mais e mais dentro de mim. Hoje eu diria que eu estou introspectiva, que eu mudei sem ter mudado, eu só deixei de me vestir de algo que as pessoas ao meu redor gostariam de ver. Eu coloquei a roupa que eu queria, eu encarei as ruas, eu me vesti de mim.
É sábado e um vento sobe e me encontra nessa esquina onde eu analiso o fluxo. Onde o vento assopra nos meus ouvidos e mordisca a minha pele, que reclama de frio, braços nus, despreparados. É sábado e tudo tem cheiro de inverno, de chocolate, de café, de livro velho e essa gente passa e ninguém me vê, ninguém me nota.
Lembro que acordei pelo inicio da tarde, muito tarde, eu pensei. Era para ter acordado cedo, enfrentado o dia, efetuado minhas tarefas de sábado, caído na minha rotina. Mas acordei tarde. Acordei procurando alguém ao meu lado, acordei tateando as cobertas quentes pelo meu corpo e procurando mãos que estivessem me tocando, mas não estavam. Um vazio de uma presença além do tocável. Eu queria que quando eu acordasse alguém estivesse me segurando, como se eu caísse na vida real depois do sono e precisasse que alguém me colocasse nos braços. "Calma, calma, essa é a vida, você só acordou, ta tudo bem, é só mais um dia."
Não reclamo mais. Deixei de reclamar da vida, das coisas, das pessoas. Entrei numa espécie de aceitação, não que eu me conforme, mas não vejo mais motivos para reclamar, para esbravejar. Tenho entendido muito melhor o mundo a minha volta e tudo bem. Não sei se isso é bom. Talvez um dia eu me canse de algumas coisas e as abandone por decreto, sem explicação. E não sei se isso é bom.
Vamos indo, vamos pedalando com o tempo numa estrada vã de sonhos e pensamentos sem saber o que exatamente alcançar, sem saber bem aonde estamos indo. Sem saber o que é amor, o que é a vida depois da vida ou o que é a morte depois da vida e se a morte existe ou é só um pensamento. Vamos indo sem saber se para a morte ou para a vida. E levantamos nossos braços, para passar as mãos nas folhas das árvores acima de nossas cabeças, agarrando as folhas, agarrando o que pudermos, enquanto pedalamos.
Onde eu comecei e onde eu flui plantada, é onde eu retorno sempre. E me convenço, e me conformo, me conheço. Onde começa e onde termina. Eu sou o inicio e o fim. Enquanto a minha eternidade durar.
Annabel Laurino