Não importa o quanto do universo eu veja na minha xícara de café ou quantos rostos estranhos eu tenha que olhar por dia, decido que não sou daqui. Uma alienígena, uma extraterrestre de 1,56 de altura, com óculos gigantes e que não se encaixa. Não se encaixa.
Vejo os dias passarem. Ontem era recém segunda mas agora já é sexta, tive três provas essa semana e achei que fosse passar mal, mas não, era só uma crise de ansiedade, daquelas de palpitar o coração e de me fazer achar que o mundo vai acabar em trinta segundos. Escrevo agora porque eu prometi que dormiria cedo. Mais uma promessa para mim mesma quebrada. Quem se importa?
De repente alguém te descobre, e te tira da caixa, da zona de conforto, do meio do sinal de trânsito, da nostalgia eterna, do tédio sufocante dos dias sem graça, sem tesão, sem nada. De repente alguém fala sua língua, sabe o seu planeta de origem, entende seu sufoco, seu tropeço, seu choramingo, seu desespero cotidiano de 'não vou alcançar'.
Os dias funcionam como uma fila indiana que todos furam incessantemente para poderem ser os próximos, ganharem as estrelas de bonificação, ganharem na vida. Bem aventurados os espertos, aqueles que furam a fila, aqueles que tropeçam sobre os tropeços já tropeçados de outros. "A vida é assim, esse é o sistema interminável, seja vem vindo, espero que goste. Canapés e vinho na mesa ao fundo, assine aqui."
Um café e um abraço no final do dia salvam minha reputação irrefutável de solidão. Solidão não solitária de fato, eu me relaciono, tenho amigos, colegas, você sabe, todos tem. Mas eles não entendem, eles não sabem falar a língua de que aqui falo. E assim vamos indo.
Eu juro que tento seguir um caminho só, eu e a minha lista de afazeres para daqui até o fim do ano. Não sair da reta, se concentrar. Mas você sabe, amigo, a vida é dinâmica como só ela pode ser e eu, bem, eu para me bagunçar é tão fácil, tão simples. E como diria os Los Hermanos, eu gosto é do estrago.
Estou achando as coisas muito paradas aqui por Vênus, esse planeta assim tão blá, to pensando em me mudar, voltar para Saturno, o meu lugar de origem e nascença. Ficar lá por alguns meses, recuperar a saúde mental, me refazer, recuperar o folego, decidir se sou ou não sou e se sim sou o que. Essas coisas, essas coisas.
Vamos minha super nave, vamos para Saturno, vamos descompilar daqui.
Annabel Laurino