“- Esta tudo bem meu amor, - ela dizia – esta tudo bem. Tudo
isso vai passar.
Embora suas palavras fossem doces e resvalassem em seus
lábios secos e brancos. E embora sua vontade fosse de gritar e chorar, seu medo
de transparecer na dor, como há uma mascara estampada em seu fino rosto
angelical, decidiu por não dizer nada. Por guardar seus sentimentos em uma
caixa rasa e vazia, atulhada de já tantos sentimentos que ela colocava lá
dentro, todos os dias. Por ora, resolveu partir, e por ora resolveu não mais
escutar. Largou a mão do homem que amava, amarrotou os scripts bem bolados nas
noites de insônia e partiu, não deixou rastros e nem pistas. Partiu deixando a
dor. A dor das brigas, da opulência exagerada da perfeição, da irritação dos
motivos de não darem certo, da raiva por não terem saída, se não, partir. Cada
qual para um lado só da vida.
Até que a manhã
tardia chegou sem demora, mostrou no calendário mais um dia desde aquele dia
triste em que partiu, e a moça jovem arruivada de sua memória fresca já sabia,
fazia um tempo em que ambos haviam ido embora. E por isso não esperou o escurecer da
manhã e nem a chegada da canção dos pássaros e muito menos do sol aguardando
contente na soleira de sua janela. Abriu a porta de sua casa e partiu pelo
trajeto de sempre, acompanhando seus passos aos seus medos e suas lembranças que
aguardavam cozinhando lá dentro de si, pareciam borbulhar em passos e outros,
mas ela não ligava, sabia para onde estava indo e contente por isso, também
conhecia aquela sensação tão... desesperada de o querer tanto de volta. Estava
acostumada com aquela sensação. Com a vontade insana de o arrancar de seus
pensamentos e o colocar na sua vida real, lhe abraçar contra o corpo sozinho e
quente e encharcar seu ombro de lágrimas de saudade.
E por isso na chegada daquela manhã ela
contente e descontente ponderava a felicidade crua como um objeto macio e frio,
sem saber como pegar e manejar. Sabia até mesmo como tê-la, a felicidade, mas
por oras de seu orgulho e de sua falta de fé, não sabia, e nem podia, manejar a
felicidade, como todas as outras pessoas normais que conhecia, e que invejava.
Porém o que ela não
sabia, o que ela não desconfiava, é que em um átimo de segundos poderia mudar tudo de uma vez. Talvez, ela podia pensar depois, se houvesse se
demorado mais em frente ao espelho naquela manhã, amaciando seus cabelos, ou
escovando os dentes, ou se tivesse emperrado a sola do sapato em uma calçada
esburacada, se houvesse perdido o ônibus, atendido ao telefone e parado para conversar,
se houvesse visto um conhecido na rua e parado para cumprimentar. Qualquer
coisa. Qualquer coisa sem sentindo e insignificante, naquela manhã poderia
transformar todo e qualquer acontecimento do destino. O inigualável e inegável
destino.
E sem saber como,
um sopro de sentidos lhe aguçou a mente, e de repente era ele á sua frente. Ele
a figura inestimável se seu sofrer, ele que ela havia negado e querido tanto,
muito mais do que tudo que pudesse imaginar, ele que a entendia e que a
compreendia, e que mais que tudo, ele a amava. Ela olhou seus olhos sem saber e
nem ver cor alguma, enxergando apenas a si própria por reflexo deles na sede
insana de encontrar qualquer sentido naquele vasto momento inexplicável, e viu
um sorriso brotar nas faces brandas daquele homem que tanto amava. E de repente
não havia mais roupas que lhe mantivessem vestidas como a uma armadura fechada
e nem caixas que sobrepujassem sentimentos negados ou vazios. De repente tudo
fez sentindo e como numa comédia, dois bobos incrivelmente apaixonados que se
machucavam até o fim, tomaram-se em seus braços, agarrados na fome do beijo, na
sede escapista de encontrar noutro um caminho, uma explicação. E a realização
fixa de que tudo, mas qualquer tudo que ela havia dito antes, podia fazer sentido agora.
Ah sim, agora sim,
tudo ficaria bem, a jovem pensou.
Annabel Laurino.