sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Bote salva-vidas


    Pensei “novamente sexta-feira”. Sexta feira, novamente. Fiquei nessa enquanto me afundava ainda mais na cama. As camadas de cobertas me cobrindo com seu calor, deu vontade de nunca mais sair dali. Lá fora os pássaros cantavam e os raios de sol entravam pelas frestas da janela do quarto que alguém abriu antes de sair. Tive vontade de tomar um café, mas o corpo parecia letárgico demais para sair dali, daquele confortável campo de repouso.
    Peguei o telefone e vi as horas, não era cedo e nem tarde. Tive no peito um ímpeto doido de fazer alguma loucura qualquer como de te ligar e dizer para você largar tudo e me encontrar em cinco minutos, no meio da praça.
    Eu ia dizer pra você que iria estar com aquele meu casaco vermelho de veludo e o lenço de flores, de qualquer forma, você ia me ver lá, sentada em um banco, com um livro aberto entre as pernas, mordendo uma maça.
    Essa foi a cena parisiense romântica que passou na minha mente em questão de segundos, rápidos segundos destruídos pelo meu orgulho ferido. Engoli a mágoa e degustei as lembranças recentes. Não vou ligar. Guardei o telefone e afundei ainda mais na cama.
    Seria lindo, mas como dizia o Caio, as coisas bonitas não acontecem mais.
    Me perguntei, assombrada, um milhão de vezes o que foi que houve comigo, o que foi que aconteceu, qual o motivo desse gelo todo entalhado no peito. Não sabia o que poderia ter acontecido, e como aconteceu. Foi impercetivel de mais, alguma coisa grande cresceu em mim, silenciosa, e a agora, ocupa espaço.
    Passo os dias com preguiça de fazer as menores coisas, tudo parece pesado, sem sentido, e quando me olho no espelho, eu não vejo ninguém de interessante lá, apenas uma garota comum, de olhos grandes e assustados.
    Zé, o que foi que houve?
    Nas histórias que eu lia, nessa idade a gente curtia muito. Eu acho que deveria estar por ai, rindo de alguma coisa qualquer, apertando o braço de alguém e distribuindo charme, ouvindo musica ruim, vestindo roupa sem noção e fazendo muita bobagem. Mas não Zé, eu to em casa, to na cama e to desacreditada de mim mesma. Para mim a vida passou a ser como um dos desenhos antigos do Mickey, aqueles em preto e branco que ninguém fala e os bonecos parecem sempre muito feios.
    Quanto tempo faz que eu não escrevo? Semanas, meses, um ano? Meus livros se acumulam no fundo do baú, cheios de pó e ideias não utilizadas. E eram ideias tão boas! O que foi que houve, desacreditei deles também?
    Olhei para o teto, todo branco, sem nada. Me senti como ele, mas não tão genuinamente puro e imaculado, ao contrário, me senti cheia de nada e ao mesmo tempo vazia de tudo. Da para entender?
    Pensei que conforme os dias passassem eu tomaria mais controle da situação. Mas já é outra sexta, talvez a miléssima sexta feira de tantas outras e eu ainda afundo na cama como um ser com medo, paralisado por tudo, esperando uma ajuda, uma mão que me puxe e me tire daqui. Lembrei que eu já ajudei tanto, já fui tantas vezes o bote salva-vidas e nesse momento frio de tamanha desesperança eu me pergunto: E agora Zé, quem será meu porto de repouso? Meu bote salva-vidas? Quem poderá me ajudar?



Annabel Laurino

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"Tem princípios iguais os da mãe. Mas se acha careta, às vezes. Não cede, mesmo só. Adora sexo, embora não faça com a mesma frequência do desejo. Sente raiva por ser secretamente boba, romântica e demodê."




Gabito Nunes