Pensei “novamente sexta-feira”. Sexta feira, novamente. Fiquei
nessa enquanto me afundava ainda mais na cama. As camadas de cobertas me
cobrindo com seu calor, deu vontade de nunca mais sair dali. Lá fora os pássaros
cantavam e os raios de sol entravam pelas frestas da janela do quarto que alguém
abriu antes de sair. Tive vontade de tomar um café, mas o corpo parecia letárgico
demais para sair dali, daquele confortável campo de repouso.
Peguei o telefone
e vi as horas, não era cedo e nem tarde. Tive no peito um ímpeto doido de fazer
alguma loucura qualquer como de te ligar e dizer para você largar tudo e me
encontrar em cinco minutos, no meio da praça.
Eu ia dizer pra
você que iria estar com aquele meu casaco vermelho de veludo e o lenço de flores,
de qualquer forma, você ia me ver lá, sentada em um banco, com um livro aberto
entre as pernas, mordendo uma maça.
Essa foi a cena
parisiense romântica que passou na minha mente em questão de segundos, rápidos
segundos destruídos pelo meu orgulho ferido. Engoli a mágoa e degustei as
lembranças recentes. Não vou ligar. Guardei o telefone e afundei ainda mais na
cama.
Seria lindo, mas
como dizia o Caio, as coisas bonitas não acontecem mais.
Me perguntei,
assombrada, um milhão de vezes o que foi que houve comigo, o que foi que
aconteceu, qual o motivo desse gelo todo entalhado no peito. Não sabia o que
poderia ter acontecido, e como aconteceu. Foi impercetivel de mais, alguma
coisa grande cresceu em mim, silenciosa, e a agora, ocupa espaço.
Passo os dias com
preguiça de fazer as menores coisas, tudo parece pesado, sem sentido, e quando
me olho no espelho, eu não vejo ninguém de interessante lá, apenas uma garota
comum, de olhos grandes e assustados.
Zé, o que foi que
houve?
Nas histórias que
eu lia, nessa idade a gente curtia muito. Eu acho que deveria estar por ai,
rindo de alguma coisa qualquer, apertando o braço de alguém e distribuindo
charme, ouvindo musica ruim, vestindo roupa sem noção e fazendo muita bobagem. Mas
não Zé, eu to em casa, to na cama e to desacreditada de mim mesma. Para mim a
vida passou a ser como um dos desenhos antigos do Mickey, aqueles em preto e
branco que ninguém fala e os bonecos parecem sempre muito feios.
Quanto tempo faz
que eu não escrevo? Semanas, meses, um ano? Meus livros se acumulam no fundo do
baú, cheios de pó e ideias não utilizadas. E eram ideias tão boas! O que foi que
houve, desacreditei deles também?
Olhei para o teto,
todo branco, sem nada. Me senti como ele, mas não tão genuinamente puro e
imaculado, ao contrário, me senti cheia de nada e ao mesmo tempo vazia de tudo.
Da para entender?
Pensei que conforme
os dias passassem eu tomaria mais controle da situação. Mas já é outra sexta,
talvez a miléssima sexta feira de tantas outras e eu ainda afundo na cama como
um ser com medo, paralisado por tudo, esperando uma ajuda, uma mão que me puxe
e me tire daqui. Lembrei que eu já ajudei tanto, já fui tantas vezes o bote
salva-vidas e nesse momento frio de tamanha desesperança eu me pergunto: E
agora Zé, quem será meu porto de repouso? Meu bote salva-vidas? Quem poderá me
ajudar?
Annabel Laurino
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