Ela sentia como se um vento fresco de camomila pairasse
daquelas páginas finas. Letras sobressaiam-se daquelas páginas antigas, nas
bordas coloridas, riachos profundos adornados de peixes de mortalhas de ouro,
nas terras verdejantes, corsas peludas, com suas penugens douradas. As árvores
continham frutos suculentos feitos de chocolate, mel, e café. Os cabelos
mudavam de cor ao sol, como também o sol mudava de cor ao longo do dia. A luz
era sempre a mesma, sempre a luz, porém, mudava de cor. Rosa, azul, vermelha.
Tudo era possível quando se abria um livro.
Para ela cada página saía-se como um lindo
mundo. Embainhava sua espada dourada e erguia-a acima da cabeça, lutava contra
leões durante o dia e a noite vestia suas vestimentas de uma cientista maluca,
inventando experimentos seu laboratório equipado de alta tecnologia. De Sherlock Holmes a Romeu e Julieta, também viajava muito pelo espaço. Desdêmona, sua heroína traída e injustiçada, ou Alice, tão esperta e destemida. Que triste às vezes eram os fins. Sensível, gostava
de romances loucos e vezes os mais adornados de aventuras, amores impossíveis e lugares bonitos, como viagens a Paris. O Point
Zero. Por que não?
Abria aquelas páginas,
deitada na cama, numa tarde de outono muito fria, os dedos gelados roçando nas
capas coloridas, os olhos gulosos como um gato observando um peixe no aquário. Duas
órbitas brilhantes cor de mel vagando entre as frases pequeninas que faziam seu
coração transbordar de curiosidade e vezes, de emoção. Não sabia explicar, e
nem tentaria, era preciso sentir a mesma gula para poder entender.
Se estivesse
chovendo iria ser ainda melhor, pensou ávida, se deliciando enquanto encontrava
em meio aos autores antigos um sentido manso para tudo que ela própria vivia no
presente.
Algumas noites
frias, tapada até o pescoço, acendia a luminária ao seu lado e vestia suas
melhores luvas quentes, os braços curtinhos para fora das montanhas de
cobertas, abria um livro. E lia até o sol aparecer lá longe e os pássaros
cantarem no quintal de casa. Vezes, em meio a fustigação nervosa dos dias, das
tardes na escola, abria um livro, e se perdia, vezes era preciso beliscá-la para
que ela soubesse que estava na hora de voltar aos deveres.
Tudo isso
acontecia quase sempre. Perdida entre suas montanhas de livros, guardada como
um lenço branco na sua caixinha pequena, vislumbrava a paisagem do lado de fora
de sua janela, um livro na mão, um lápis na outra, a caneca de café pousada na
mesa, a esperando.
Abria o livro.
E a decolagem
estava feita, seu cabelo já açoitava no vento. Vestida na sua melhor roupa da época que estava sendo
lida, espreitava um lugar e sentava-se esperando o espetáculo começar,
desligando-se de tudo.
E cá entre nós, esses eram os melhores momentos, quando se esquecia de
tudo.
Annabel Laurino.