sábado, 26 de setembro de 2015

Imensidão Azul

Esquadrinho essas paredes azuis
São cinco da manhã,
A chuva foi embora
Cubro as minhas pernas nuas e geladas
E por mais uma vez, sinto falta de café.
Minha boca seca,
Meus olhos estalados e assustados procuram
Procuram, como um radar
Dentro dessas paredes azuis e geladas.
Vastidão silenciosa e ofuscante
Eu mergulho mais uma vez na sedenta vontade de encontrar
Identificar
Não é alecrim, nem jasmim
Nem música qualquer que dite o compasso vertiginoso desse som
Que não para de gritar dento de mim.
Lembro agora que eu não sei escrever poemas
Tudo que sei é torto
Disforme e dançante
Então por que escrevo?
Para desatar o choro que está preso no fundo do peito,
Que dói.
E pra procurar
Te procurar, mais uma vez, insone.
E dentro das cartas lacradas,
Dos versos secos,
Das horas aguadas,
Das ruas lânguidas e encharcadas,
Do que foi dito e que ninguém lembrou,
Mas eu lembrei.
Dentro
Tudo dentro, amassado
Agrupado e esquecido
Solto e perdido
Dessas paredes azuis.





Annabel Laurino 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O Café de Nós Dois




Quero que você seja meu Jean-Paul Sartre. Prometo a você que serei sua Simone de Beauvoir, porém com sapatos franceses mais bonitos. Acaricio seu rosto com meus dedos pequenos, encontro um plexo solar nas duas órbitas faiscantes com que me olhas, me admiras. Na desconjuntura perfeita de um universo não muito distante, eu sou o que queres que eu seja, você é o que eu quero que você seja. 
Cantarolo no seu ouvido mais um verso daquela música antiga, qual é mesmo o nome? Ah sim, sim, aquela em que uma mulher louca canta. Por que sempre tem de haver uma mulher louca? Por que todas as mulheres são loucas? Na minha estante de livros, você pode ver, dedico um lugar só para elas, as loucas.
E do que eu estava falando mesmo? Ah, sim... A música. Começo baixinho, cantando Dream a Little Dream of Me. E você sorri jocoso, gosto dessa palavra, jocoso, e você sorri, sorri bobinho, doce, com suas órbitas cheias de luz enviando mil ondas de calor pra mim, seus dentes brancos brilhando felizes, tudo em você é feliz e eu fico feliz também, quero dançar minha música com você, dividir a libido, os ósculos, as frases soltas, o preto e o branco, o silêncio soturno, o doce e o amargo, as hipóteses, as histórias, as verdades e as confabulações de um futuro que nos espera. Eu quero o já que eu não posso ter e que talvez você possa me dar. Quero o instante agora. 
Penso em flores. Quando foi a ultima vez que me deram flores? Esse ato tão bonito, tão fresco, o ato de florear. Hoje em dia querem somente semear. Semeiam, semeiam, e semeiam, ficam lá, jogando sementes e esperando no que pode dar. Mas ninguém se preocupa em florear, enfeitar, deixar mais bonito, cativar.
E nessa de cativar eu afirmo: quero cativar, quero que me catives. Você quer? Além das flores e da semelhança com a Rosa eu sou sua raposa dentro da toca. Quero que me catives e aos poucos eu vou te ceder o meu espaço, o meu todo, o tudo e o mais além desse universo que é meu, só meu, mas que eu quero nosso, redesenhado com pontinhos trilhados pelos dedos de nós dois. Eu desejo a esse mundo azul que seja nosso, meu e seu, como já foi e pode ser.
Se tu vens, eu não sei, mas eu sigo. Nas tardes de Agosto eu muito chorei, só que você nem sabe disso, eu não te contei. Agora já passou, já deixou de ser. Agora tudo brilha novamente e com cheiro de jasmim e alecrim, pois há um som melodioso que lembra minha música favorita e que não para de tocar nos jardins da minha mente, me fazendo acreditar que a primavera está chegando. Se não me floreias, aguardo, o futuro há de me dar flores.
Chove nessas noites de início de setembro, chove tanto que eu penso em te ligar e dizer que estou com medo, com medo desse futuro incerto, mon dear, tão misterioso. E essa chuva, essa chuva não para, trazendo um frio enregelante que sobe sobre a minha pele fresca de um banho quente. Te escrevo um bilhete assinado da sua bonequinha que muito pensa no que será, dizendo que estou com saudades, vem me abraçar, me guardar nos braços quentes que tens, vem sussurrar pra mim aquelas promessas frescas de que será eterno, eternamente em nossas mentes florescentes e subjacentes para todo o sempre e sem fim. 
Duas canecas de café. Uma para mim e outra para você. Sentaremo-nos em uma mesa ao lado da enorme janela vendo a vida que passará lá fora. Não, não é o CAFÉ DE FLORE, mas é aqui, nesse lugar, que reside a história inteira de nós dois. Você abrirá o seu jornal e juntos nos debruçaremos sobre as palavras cruzadas que ainda teremos para completar. Você sorrirá, tentando esconder sem sucesso, as covinhas faceiras dos cantos dos teus lábios que se esticarão e eu sorrirei te jogando um beijo vermelho, suspirarei e pensarei que este seu sorriso sempre será o meu sorriso favorito, independente do que aconteça.
Nesse dia, sentados nesse lugar, ansiosos com as nossas histórias para contar, veremos a chuva cair lá fora e uma multidão abrirá seus guarda-chuvas para se proteger, admiraremos os pingos confeitados de luzes que cairão pela janela, escorregando jubilosos e sem rumo. Nos perderemos em nosso entretenimento favorito de sermos nós dois, você bebendo das minhas curvas ondulantes e eu dos teus delineios pulsantes. Tudo isso assim, tão Clarice e Caetano, para no fim, depois de pagarmos a conta, felizes e faceiros, vermos um sol de quase dezembro temperado de saudade e um arco-íres residir radiante, cheio de luz e som e com uma nova história pra sempre nossa.




Annabel Laurino

Café Kiss, by Ron Hicks