quinta-feira, 31 de maio de 2012

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Eu tive tanto amor um dia. 






 Caio Fernando Abreu

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A vida não é apagável, pensei. Nem volta atrás. Ainda não construíram a máquina do tempo. Ninguém virá em meu socorro. Faz tanto tempo que invento meus próprios dias. Preciso começar por algum ponto.
— Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 30 de maio de 2012

A visão das lentes embaçadas de eternidade


    Era um eterno agudo aquele. Tingia fino, na janela que eclodia toda a chuva. No céu escuro, o mundo jazia em caos. Dentro do quarto a eternidade fotografou o segundo. Que pendeu como gota d'água nos lábios da moça. Lambeu a gota. A gota sumiu na língua quente. As mãos que tocavam as suas, eram mãos quentes. 
    A eternidade sentava-se ao lado, de vestido longo, óculos de aros de tartaruga, tinha duas covinhas acima de cada sobrancelha, analisava a cena, curiosa. A gota que entrou pelos lábios da moça, escorreu por um de seus olhos que brilhava irradiante. O sol rugiu e o rapaz das mãos quentes soprou um murmúrio doce, a eternidade curvou-se para frente, faminta, com sua máquina fotográfica entre as mãos, estava ávida pela cena. O rapaz tinha belas sobrancelhas negras, a moça, belos ombros redondos e pequenos. O rapaz a puxou mais para perto. O mundo se desfez numa entoação múltipla, não tinha importância se acabasse, na verdade. A eternidade rabiscou em sua caderneta vermelha, arrumou o óculos que pendia pela ponte de seu nariz pequeno, o óculos muito grande para seu frágil rosto de formiga. A moça e o rapaz, como duas cores sendo misturadas em um galão de tinta, difundindo-se em mesclas de pedaços de pele, um tão preciso do outro.
    Ambos, não sabiam da eternidade, naquele momento tão especial, não sabiam sequer de sua pequenina presença ali. Não imaginavam que a eternidade estava naquele exato momento registrando tudo com suas minúsculas mãozinhas, uma disparando os momentos, a outra aguçando febril na ponta de uma caneta no papel. 
    A moça soluçou, doíam-lhe esses momentos de adeus. O rapaz soprou novamente, fazia isso quando contia fortemente o choro.
    A eternidade parou seu trabalho, não sabia se tocada pela cena, ou se cansada por exaustão, na verdade, era alguém muito sensível, que ninguém compreendia. Por ora, já havia registrado demais, estava gravada sua pequena parte naquele momento, um segundo. Um pequenino segundo. Como a gota escorregando frágil na janela do quarto. E o casal nem sabia de sua presença. Como um bilhão de gotas, em meio a uma variável de segundos, a eternidade eclodiu naquele momento, em tantos outros. Explodindo como alguém metendo o pé numa poça. Não sabia se era o pé que explodia a poça, ou era a poça que era explodida pelo pé. A cena embaçou-se. Não pelos olhos chorosos da moça, não pelo frio cortante. Eternidade havia partido. O sentido se desfez. 
    Ah, a eternidade. Coisa frágil essa. 


Annabel Laurino.


terça-feira, 29 de maio de 2012

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Neste momento, estou todo arrepiado e com muita vontade de chorar. É como se ouvisse outra vez, escondido em meu quarto, com o cheiro forte de um jasmineiro ali embaixo, os discos de música erudita que você ouvia muito alto. Tudo isso me toma agora de novo e é tão mágico que quero agradecer a você a lembrança, tão remota e ao mesmo tempo tão dilaceradamente viva








— Caio Fernando Abreu.

domingo, 27 de maio de 2012

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 Em alta velocidade a Alpha Cam dispara na Via Láctea. E eu achando bonito essa fuga vermelha, dardejada de estrelas, pintada num céu estelar, com luzes, explosões, gás e poeira interestelar, calor e brilho. Um universo inteiro e eu vou lá e me familiarizo com uma estrela fugitiva. Por que será?


Annabel Laurino.





Foto: divulgadas pela NASA

Vestida de Esperança


    Te procuro em outros rostos, espero te ver por ai, a qualquer momento. Eu até te receberia aqui em casa, qualquer hora da madrugada, despenteada, de pijama amarrotado, sem maquiagem, cheirando a café e livros velhos. Eu abriria a porta e sorria, não teria exaustão, coisas passadas, medo de escuro e da noite. Qualquer sentimento recíproco seria mero sentimento perto de te ver novamente. Te olhar. Ah sim, essa é minha sede que não cessa e que arranha na garganta como coisa viva que não vai embora.
    Mas fico tranqüila, da melhor forma que posso ficar, aceito o inevitável, por que afinal, é melhor assim, não é mesmo? Eu sei. Não precisa ser agora, tudo bem. Mas eu ainda abrirei a porta para você novamente, ainda verei você entrando, sentando no sofá, não estarei descabelada, não cheirarei a café ou a livros velhos, será um dia qualquer, eu não estarei esperando. E será lindo. Ah sim. Eu sei. Acontecerá, quando tiver que acontecer.
    Lindo. Será Lindo, fico repetindo.



Annabel Laurino. 




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  Hoje sabe-se, quem sabe tudo, quem sabe nada. Descalça, de pés gelados, tocando a terra áspera, segue-se firme. Frio em ambos os lado do corpo, sozinha. Não haverá medo, acostuma-se. Será normal. Tranquilo. Como respirar. Quem sabe no futuro alguém. Quem sabe ele. No futuro. Não agora. Segue-se.


Annabel Laurino

sexta-feira, 25 de maio de 2012

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    Cruel foi eu calar o meu coração tão sentimental e ingênuo e aguçar meus ouvidos para essa mente chata e cheia de si. Doeu parar de sentir, doeu a força de não ver mais você como meu coração gostava tanto de ver. 
    Fico na esperança de que posso vir a me acostumar. E fico esperando que sim. Que pare de doer essa luta cotidiana do não sentir, do não querer me doer.






Annabel Laurino.

Luz dos Olhos


Os meus olhos vidram ao te ver

São dois fãs, um par
Pus no olhos vidros pra poder
Melhor te enxergar
Luz nos olhos para anoitecer
É só você se afastar
Pinta os lábios para escrever
A tua boca em mim
Que a nossa música eu fiz agora
Lá fora a lua irradia a glória

E eu te chamo

Eu te peço vem
Diga que você me quer
Porque eu te quero também


Cassia Eller 




quinta-feira, 24 de maio de 2012

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"Se você soubesse de como gosto de suas cheganças, você chegaria todo dia."

Chico Buarque

quarta-feira, 23 de maio de 2012

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Eis que começo a voltar. Não de uma galáxia distante, de outro planeta, sequer de uma cidade ou um parque. De mim, volto.








 — Caio Fernando Abreu

Entrelaçados


    E como te dizer, sem rodeios ou floreios, de palavras bonitas e misteriosas, que pensarás soberbamente no significado por um dado tempo até que prossigas esse pensamento solto que aqui registro?
    Preciso elucidar esse motivo de insônia, sem mais nada dizer além do que realmente preciso. E quero dizer que te queria aqui, agora. Sim, sim. Eu te queria aqui. Nós entrelaçados no meio do meu quarto, no meio dos meus livros. Te beijaria, me beijarias. Deitarias sobre minha cama quente, com seu corpo esguio, cada centímetro tão conhecido pelo meu. Tiraríamos os sapatos, me deitaria ao seu lado, tiraria os óculos e repousaria o rosto em teu peito, seguindo a linha do teu pescoço com meu nariz, fungando teu cheiro. Afagaria teus cabelos, a cavidade dos teus olhos, a pele lisa do teu rosto. Entrelaçaria minhas pernas nas tuas, nossos pés se encontrando, nossas mãos se buscando. Tuas mãos segurando-me forte perto de ti, para que não eu fugisse de repente. E eu te encontraria em mais tantos outros beijos em que meus lábios beijariam os teus, sem medo. Como uma sede não saciada, uma fome dolorosa de semanas.
    E tanto faz, penso agora, o dia que estivesse lá fora, sol, chuva, frio, calor. Mas penso no frio, na chuva, nas janelas fechadas estampando as gotas geladas no vidro. Penso no silêncio da casa, no cheiro de café que estaria em nossa boca, no gosto bom do teu sorriso estampado nos parênteses do canto de seus lábios. Ririas nervoso e tentarias me dizer qualquer coisa boba como a chuva lá fora, mas eu te pediria silêncio, porque não haveria mais nada que realmente importasse nessa hora. Descobriria tua pele quente com o toque dos meus dedos frios por baixo de tua roupa e sentiria era o arrepio. A tua pele e a minha acordando de um sono doloroso, depois de, não saberíamos quanto tempo ao certo,  sem se encontrarem. E já faz tanto tempo, não me lembro agora como realmente é o gosto do teu beijo, lembro do peito em combustão, das palpitações nervosas, do querer e não poder. Do sentir demais até doer.
    Eu, você. Em qualquer dia desses, em qualquer hora. Entrelaçados.



Annabel Laurino.




segunda-feira, 21 de maio de 2012

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Não ofereço perigo algum: sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, sou definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto - se tomada com cuidado, verto água limpa sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto mas, se tocada por dedos bruscos, num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada. 






Caio Fernando Abreu

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As manhãs são boas para acordar dentro delas, beber café, espiar o tempo. Os objetos são bons de olhar para eles, sem muitos sustos, porque são o que são e também nos olham, com olhos que nada pensam. Desde que o mandei embora, para que eu pudesse enfim aprender a grande desilusão do paraíso, é assim que sinto: quase sem sentir. 





— Caio Fernando Abreu


As manhãs são boas para acordar dentro delas, beber café, espiar o tempo. Os objetos são bons de olhar para eles, sem muitos sustos, porque são o que são e também nos olham, com olhos que nada pensam. Desde que o mandei embora, para que eu pudesse enfim aprender a grande desilusão do paraíso, é assim que sinto: quase sem sentir. — Caio Fernando Abreu

Incompleto idealizado


    E eu aqui idealizando a vida. Ainda penso que toda essa idealização acaba um dia. Até o dia de eu despertar de verdade, como se houvesse por trás dessas durezas todas, dessa forma de agir macio e encarado, alguma data de validade para toda essa velhice antes da hora.
    Me surpreendo olhando no espelho, vendo um corpo, um rosto, tão jovens. Parece que faz tanto tempo que estou aqui, dentro destes. As feições do rosto e os gestos deste corpo sempre repetitivos, tão memorizados pela memória.
    As vezes, tão solitária dentro e fora. As vezes tão mais dentro do que fora e as vezes por fora, tão angustiante.
    A falta que faz um corpo ao lado durante as matizes de um dia frio, nem me fale. Fico enrolando historinhas, preenchendo lacunas com coisas bobinhas, encontros inesperados, coisas que possam acontecer e que nunca acontecem.
    Um tipo de tédio desprezível vem e me abraça por trás. Quase sempre me pergunto por que desse motivo de estar aqui. É verdade sim que me encanto por quase tudo, que as luzes e toda essa beleza da vida me chama muita a atenção, que é tentadora a esses olhos curiosos de criança pequena, agarrar em suas mãozinhas minúsculas que tudo quer pegar e entender como funciona.
    E é dessa forma que ajo com o amor, ou o que eu penso ser amor. Com relacionamentos então, só para ficar melhor. Eu acho que me interesso tanto pelas engrenagens diferentes que fico tentada a saber como funciona, mergulho de cabeça, arremesso as mangas e começo o projeto de descobrimento e então, quando descubro, eu acho tudo tão relativamente simples que vou embora. Procuro outras engrenagens para decifrar. Procurando o indecifrável, alguma surpresa, sugando da vida o que a vida dá.
    É estranho. Acho que ainda não estou pronta para qualquer coisa relativamente grande que a vida possa me lançar. Mas as vezes penso que toda essa velhice impede um pouco de ser feliz. Queria tanto agir bobinha, rir de coisas idiotas, não ler tanto, não idealizar tanto, namorar no banco de uma praça no domingo a tarde e usar o moletom do namorado achando ser a coisa mais legal do mundo.
    Mas não dá. Não consigo.
    É nesse momento que a fina linha de pensamento chega ao fim. Eu, essa prova viva de engrenagem não decifrada que me pego olhando duvidosamente todos os dias, na sede de me decifrar. De enjoar de mim mesma, de perder a graça, não sentir mais gosto algum. Porém, como esperançosa fiel que todos somos, embosco um sorriso nos lábios ao melhor estilo Monalisa e tudo bem, o dolorido do incompleto pode ser disfarçado.
    E no fim, me pergunto até quando.




Annabel Laurino.

domingo, 20 de maio de 2012

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A saudade que sinto de você é
uma coisa absurda.
— Caio Fernando Abreu

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“De início, minha razão chamou essa atitude de egoísmo. Mas hoje sei que se chama Amor Próprio!”

Charles Chaplin

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"Em geral dava conselhos muito bons para si mesma (embora raramente os seguisse), repreendendo-se de vez em quando tão severamente que ficava com lágrimas nos olhos."








Lewis Carroll in Alice no País das Maravilhas 

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"Como tudo está esquisito hoje! E ontem as coisas aconteciam exatamente como de costume. Será que fui trocada durante a noite? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando me levantei esta manhã? Tenho uma ligeira lembrança de que me senti um bocadinho diferente. Mas, se não sou a mesma, a próxima pergunta é: Afinal de contas quem sou eu? Ah, este é o grande enigma."



   Lewis Carrol in Alice no País das Maravilhas 

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“Tom: O que aconteceu? Porque — Porque não demos certo?
Summer: O que sempre acontece. A vida.” 


Filme - 500 dias com ela

sexta-feira, 18 de maio de 2012

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“O que eu não aceito é ter nascido num mundo tão grande e conhecer só uma pequena parte. Vou voar. Quem conseguir compreender, que me acompanhe.”
Verônica H.



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“É muito difícil fazer sua cabeça e
seu coração trabalharem juntos.
No meu caso, eles não são nem amigos.”
Woody Allen – Crimes e Pecados

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"A verdade é que nenhum homem serve pra você. Você nunca se dá ou se dará por satisfeita. Sua fome é de Mundo, não de Amor. Você quer que o Mundo te dê um abraço, não um homem. No seu caso, acho que você deveria mesmo é ficar sozinha."

quinta-feira, 17 de maio de 2012

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“Confesso que ando muito cansado, sabe? Mas um cansaço diferente. Um cansaço de não querer mais reclamar, de não querer pedir, de não fazer nada, de deixar as coisas acontecerem.”
Caio Fernando Abreu

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“Como era mesmo que você me olhava quando a gente ainda se via?”
Marla de Queiroz



quarta-feira, 16 de maio de 2012

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"O medo e o desejo acabam brigando de soco dentro da gente."

Gabito Nunes

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Tão bom ver seu rosto novamente
Mas diga-me que isso nunca vai acabar
Não desapareça

Estive guardando essas últimas palavras para um último milagre mas agora eu não tenho certeza
Eu não posso te salvar se você não deixar
Você me deixa como eu nunca estive antes



(Gotten - Adam Levine And Slash) 

terça-feira, 15 de maio de 2012

Espera

Abri meus braços esperando que ele viesse
Ele porém, não veio
E o sol cingiu no céu um brilho luzidio de ouro puro
E o mar rugiu de ondas cristalinas
Que bordaram nos seus cílios negros
Na ponta de seus lábios havia a espera
E meus braços quentes, bonitos como os de Capitu
Esperaram
Sem ele chegar


Annabel Laurino

Querer

 Eu quero, certo? [...] Não sei se devo, também não sei se posso, se é permitido. Sei lá, acho que também não sei o que é dever ou poder, mas agora estou sabendo de um jeito muito claro o que é precisar. Certo? E quando a gente precisa, não importa que seja proibido. Querer? Sim, eu quero.




Caio Fernando Abreu (adaptado in Morangos Mofados) 








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“Se fosse solidão, não teria ninguém por perto. Não é solidão, é só a falta de alguém que me tire desse estado de indiferença, de invisibilidade e de tédio eterno.”

Caio Augusto Leite

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- O que é que você quer?
Ele sorriu. Estendeu as mãos, tocou-a também. Vontade de pedir silêncio. Porque não seria necessária mais nenhuma palavra um segundo antes ou depois de dizerem ao mesmo tempo:
- Quero ficar com você.



Caio Fernando Abreu

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"Sem tempo para compreenderem, abraçaram-se fortemente."




Caio Fernando Abreu


segunda-feira, 14 de maio de 2012

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Como pode ser possível? Como fui deixar isso acontecer?

Manhã Emudecida


    Acordei sozinha em uma confusão muda.
    A casa estava vazia, somente eu e mais ninguém. Um silêncio quase que arrebatador emudeceu meus ouvidos e aglutinou em todos os cantos da casa.
    As montanhas de cobertas pesavam sobre meu corpo quente, afundando-me ainda mais sobre a cama. Lutei com elas para me libertar e quando enfim sai de seu agarro, um frio latente golpeou minha pele, me dando a tentadora vontade de voltar para dentro das cobertas quentinhas. Mas não o fiz.
    A cabeça dando voltas e pensamentos meio embaralhados. Parecia que minha mente havia se tornado uma espécie de liquidificador, batendo tudo, misturando tudo. E nessa mistura toda, nessa confusão de dentro para fora, desde as cobertas bagunçadas, o cheiro de sono, o cheiro de sol matinal lambendo o carpete, o cheiro do café na cafeteira que alguém deixou pronto antes de sair, tudo isso me afundando em um só entendimento. Compreendi o que Caio Fernando Abreu disse certa vez sobre que assim como os cabelos os pensamentos acordam bagunçados e em pé. Algo assim.
    De repente eu queria pegar o telefone, eu queria entrar dentro dele e romper com toda a distância que me separava dele. Eu queria cessar toda e qualquer dor que eu fui capaz de criar nele, em seu coração ingênuo e indefeso. Eu queria enfiar a primeira roupa que visse, pegar a carteira e entrar no primeiro ônibus para encontrar-me com ele no outro lado da cidade, onde ele se esconde.
    Uma vontade mordaz de dividir com alguém essa estranha dor de desamparo.
    De repente os livros apinhados nas estantes tornam-se apenas livros, com histórias emocionantes que eu não tenho com quem compartilhar. Porque de certa forma, muito dolorosa, havia com ele uma forma muito mais especial de compartilhar as histórias do que com as outras pessoas.
    Será que não era por que ele realmente gostava delas? Por que ele as ouvia atentamente e com satisfação? Será que não era por que ele também as lia, as devorava? Por que ele entendia por completo todo o meu mundo e mais todos os outros que eu criava na ponta do papel?
    Sim, sim, sim e sim!
    Então pergunto-me por que dessa ruptura. Por que em mim não há dor alguma e nem vontade de reatar os laços. Não compreendo. Serei eu assim tão cruel?
    De qualquer forma fico pensando nele enquanto um programa de culinária começa na televisão. Lembro-me dele cozinhando para mim, me fazendo pão de ervas doces que por sinal fora delicioso.
    A apresentadora usa uma roupa que julgo horrível levando em conta a idade dela, que de certa forma ela tenta esconder em roupas joviais ao estilo 25 anos. Idade que ela já passou a muito tempo. Então lembro dele falando sobre roupas de forma engraçada e desajeitada, penso nele falando de idosos, penso nele falando sobre culinária, sobre musica, me ensinando a tocar bateria com suas baquetas esfarrapadas. Lembro-me dele me contando milhares de suas histórias de terror.
    Uma dorzinha no peito, latente e incomoda.
    Perdida, afundei-me mais no sofá e com meus próprios braços abracei meu próprio corpo, e permaneci assim por um longo tempo, abraçando-me. Sentindo o calor do meu próprio corpo que de alguma forma não era bem o que eu queria, eu queria era o calor de outro corpo. Mas aquiesci e satisfiz-me com o pouco. E fiquei só, perdida no sofá da sala, abraçando-me, perguntando-me por que motivos há de querer ser assim tão só.
    A manhã rugiu em bilhares de raios de sol que antes não dispunham no céu. E passou, as horas passaram.
    Permaneci só.




Annabel Laurino.

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Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: As vezes apenas um segundo.




Lewis Carroll

Diálogo


- Mas... Aquela pergunta que você me fez na mesa, aquele dia, não sai da minha cabeça.
- Qual?
- Se eu via futuro com ele...
- Hum. É, você me disse que não.
- Sim. Essa foi a minha resposta
- Mas não senti firmeza naquele não.
- E era mesmo um não cheio de incerteza. Tanto que eu ainda fico me perguntando.
- E sabe a resposta?
- Não. Não sei. E talvez seja assim, um tipo de resposta.
- Não faz sentido...
- Eu sei.
- Pois então como não ter certeza pode lhe responder alguma coisa?
- Você não vê?
[silêncio]
- Quando se tem certeza, se sabe. É fato, consumado. Quando não se tem...
- É complicado.
- Sim. Complicado. Não vejo melhor palavra para definir.


Annabel Laurino 




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domingo, 13 de maio de 2012

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Quando você sente saudade demais de uma pessoa, então começa a vê-la nas outras, em todos os lugares. 






 Caio Fernando Abreu.





sábado, 12 de maio de 2012

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"Contradigo-me em passos de dança invisíveis, enlaçando pernas e prendendo bocas, querendo muito e gostando tão pouco."

Verônica H.

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"ando angustiada demais, meu amigo, palavrinha antiga essa, angústia, quase duas décadas de convívio cotidiano, mas ando, ando, tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, não me venha com essa história de que atraiçoamos todos os nossos ideais, nunca tive porra de ideal nenhum, só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista, capitalista, só queria ser feliz, cara."

CaioF.

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Sempre é melhor reagir, partir pra outro do que arrastar, arrastar. 






Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 11 de maio de 2012

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    "Será que eu te conto? Depois disso e até hoje, no final de todo beijo tem a saudade do seu. No final de todo abraço tem a saudade do seu. No final de toda conversa tem a saudade da sua voz, sempre entre o genial e o tradicional, o menino artista e burocrático. O menino louco e ponderado. Você não tem ideia, você não imagina, essas noites sozinha aqui, com Jens Lekman, Feist e Magnetic Fields. Nem temos uma música, todas emprestamos das suas outras relações. Nem temos uma história, todas eu imaginei, todas a gente só pensou. Nem tenho você, mas você não imagina. A falta que faz o que você podia ser. É isso. A falta que faz o que a gente podia ter sido.[...] 
    Cansei do meu orgulho cheio de ocos e ecos e secos. Então eu queria dizer como era enorme isso tudo dentro de mim. E como ainda é. [...] Eu não consegui gostar de você de tanto que eu gostava e isso não merece chances ou palmas. Cansei de só sentir se for maior do que eu justamente pra dar a desculpa que, por ser maior do que eu, não posso sentir. É o jogo macabro que faço comigo pra nunca sair do mesmo lugar mas me dizer romântica. Eu não sou romântica, eu sou burra. Medrosa. Só isso.
    As coisas que eu amo são como uma borboleta que eu acho tão linda, tão linda, tão linda que quero engolir as asas e apertar contra o peito e lamber as cores e pegar carona com meu peso e tudo acaba sem ar, sem voo, sem cor, sem ser borboleta."




Tati Bernardi 

Bomba Relógio


     Novos punhos de aço aprisionam meu peito. Ah sim, esses punhos fortes e destemidos, envoltos firmes de mim, na esperança bruta e cega de me manter sobre vigília constante. Oh, mal sabe ele o quanto esse coração se faz por livre. O quanto de espaço minha alma leve necessita para que possa respirar todo esse ar solitário, esse punhado de solidão que me agrada muito manter em minha dieta balanceada.
    Não, eu não gosto de não poder respirar. Sim, eu odeio seus jogos banais. Eu odeio perder tempo com coisas fúteis, eu odeio as amarras no peito, eu odeio o nojo que eu sinto quando me encobrem de infantilidades e cinismo desnecessário.
    Eu prefiro a velha moda do à seco, do que ao temperado e docinho de mais.
    Para que? Eu me pergunto.
    Não posso sobreviver com os tique-taques de um relógio programado para parar de trabalhar em algum instante próximo, eu prefiro a entrega inteira do que viver com esse pé atrás. Então, novamente, eu odeio pessoas que me fazem ficar com um pé atrás.
    Na minha mente ingênua a mostra das reais faces facilitaria uma vida inteira. Para que mostrar aquilo que você não é? 
    E então essa retidão. Eu não gosto de ser retida, de não poder me soltar. Eu, que em minha vida toda passei por recatada, desligada, quietinha e justo quando encontro um complemento carnal para dividir as dores do mundo eu tenho que ser recatada? Tenho que guardar toda a minha arte, todo o meu amor, todo o meu fulgor? Tenho que me fingir branca e sem vida?
    Não gosto, não suporto.
    Um cansaço além do físico sobressai meu corpo, umas dores, um vazio, uma fome além. Não gosto do que sinto, não gosto do que vejo.
    Umas sensações que não entendo. Ou no mínimo quero fingir que não entendo.
    E me pergunto quando é que a bomba desse relógio programado irá estourar.
    Claro, não sei.



Annabel Laurino

quinta-feira, 10 de maio de 2012

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"Preencho meus dias com lembranças dele. Lembro que ele me olhava como se eu fosse um tesouro precioso. Será que encontrou outro tesouro? Será que encontraremos um caminho de volta? A estrada é tão longa, e minha mente está tão sombria. Sinto que nosso elo se enfraquece a cada dia e não posso fazer nada para impedir."


(Dawson's Creek)

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Um dia.



    Não sei o que houve. Estou lendo desde que a gente parou de se falar mais cedo. Te contei que estava lendo Um dia, não contei?
    A história é a seguinte: Eles são jovens e se conhecem no final da faculdade e ficam juntos por uma noite, nesse tal dia onde tudo começa, o dia da formatura. O cara, Dexter é um tanto egoísta, imaturo e viaja no dia seguinte que fica com ela, Emma. Ela é uma projeção idêntica de mim e não estou me gabando disso. Sério, fiquei um tanto assustada, por que até mesmo no físico dela que é contado no livro é parecido com o meu... Ela é escritora, lê pra caramba e etc. o resto você pode imaginar...
    Eles ficam juntos no dia 15 de julho de 1988 e toda a história são relatos de anos a seguir, mas sempre no mesmo dia 15 contando como eles estão. Mas vezes eles brigam muito, ou até mesmo param de se falar por uns tempos, mas sempre se reencontram em algum momento. Eles ficam com outras pessoas por que simplesmente não conseguem ficar juntos um com o outro. Se tornam apenas melhores amigos, porém se amam muito.
    Sei que não faz muito sentido, mas esse livro é realmente lindo e me doeu muito. Sério. Como eu sei que você não vai ler eu preciso contar o que acontece que em parte é o motivo de estar escrevendo o e-mail.
    Depois de muitos interlúdios e separações bruscas, afastamentos abruptos entre os dois, e que Dexter se mete em várias roubadas, Emma da uma guinada na vida, publica livros, ele se casa, tem um filha. Ela segue a linha independente e vai para Paris, e é onde eles se reencontram. E depois de tudo, quando eles percebem que a vida já seguiu de mais e que no fundo, mesmo assim, eles sentem muito mais do que uma amizade um pelo outro, eles ficam juntos.
    Mas a vida prova de que nem sempre podemos recuperar o tempo perdido.
    Emma morre em um acidente enquanto ia se encontrar com Dexter para eles escolherem a casa em que iriam morar depois de oito meses de casados, isso no quase final do livro, depois de tudo, de tudo que eles decidiram, que eles finalmente haviam confessado o amor de um pelo outro. Ela morre!
    Isso me doeu de uma forma extrema. Quer dizer, eles se amavam tanto, eram melhores amigos, viviam brigando, é verdade, super diferentes, mas se amavam! E ela morre? 
    Puxa fiquei triste, fiquei relendo as cartas que ela mandou para o Dexter ao longo do livro de quando ele estava viajando e ela estava sem emprego e meio depressiva por que havia se formado e não sabia o que fazer da vida. 
    Fico pensando que garantia a gente tem se não vai mesmo morrer a qualquer segundo. Sei, parece mordaz e depressivo de mais, mas tudo que eu quero dizer é que é triste esse pensamento.
    Fiquei chorando por um tempo e resolvi que precisava falar contigo, que é a única pessoa que me entende nesses momentos doidos. 
    Eu sei, você vai dizer: "Anna é a vida, acontece" ou "Anna é só um livro, uma história, fica tranquila" ou você vai rir jocoso e me dar um cutucão dizendo "é por isso que a gente tem que aproveitar ao máximo enquanto estamos vivos".
    Em parte eu sei que pode até ser verdade, mas o negócio é que fiquei triste com essa história toda. Emma era tão legal e morreu! Parece tão injusto...
    Ta já estou vendo você suspirar e dizer: "a vida é injusta anjo" 
    Eu sei, eu sei.
    Só queria colocar pra fora, para ver se eu entendo bem essa coisa toda e se eu meio que me curo dessa dorzinha incomoda. Parece até que é algum sentimento de culpa interior. Da para entender?
    Do tipo de quanto a gente se olha em um espelho e sabe que tem alguma coisa errada refletindo nele, mas lá dentro, a gente não quer ver. Então a gente para de olhar, para de passar na frente do espelho e até apaga as luzes para facilitar com que as sombras da casa não sobressaiam-se tentando transmitir a verdade.
    Algo assim... Não sei. Tão familiar, posso dizer.




Annabel Laurino – email ao amigo.

terça-feira, 8 de maio de 2012

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"É andar dois passos, voltar meio, sofrer um pouquinho por ser apegada ao antigo e ao mesmo tempo desesperada pelo novo."


Verônica H.

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"Não transforma assim o mundo em um lugar mais fácil e melhor de se viver . Não me faz ser assim tão absurdamente feliz, só porque tenho certeza absoluta que nenhum segundo ao seu lado é por acaso . Mas admito que estou conhecendo (Num gerúndio de gostar sem fim), essa coisa maluca de gostar de verdade . Eu com minha TPM, meus livros e meu jeito meio-gato . Ele com seu ciúme camuflado, seus mil projetos e seu jeito de abraçar o mundo … Mas quer saber ? Eu olho pra ele e fico pensando sozinha : Será que alguém nesse mundo faria o que ele faz por mim ? Porque ele me escuta, me aguenta, me mima, me inspira, me faz sentir a mulher mais linda e especial do mundo ."


Fernanda Mello




segunda-feira, 7 de maio de 2012

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"Eu quero tudo fora, tudo fora. Eu quero eu fora. Eu quero ir pra fora de onde está tão devastado e de onde eu tinha pintado tudo de azul pra te ver sentado bem no centro."
Tati Bernardi

domingo, 6 de maio de 2012

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Você não pode se perder menina, você tem que excitar de toda sua força, de toda essa sua coisa mágica que você chama de determinação e que até mesmo muita gente sente uma pontinha de inveja. Você não pode se deixar tocar, você é quem tem que tocar, agarrar, morder, segurar com unhas e dentes. O mundo. O seu mundo. Os seus sonhos. Não deixar eles escaparem de suas mãos.
    Está vendo aquela porta ali? Então, vá até ela. Abra a porta e entre. Entre, vamos, sem medo. Vá logo, o tempo é como um filhote de leão faminto rugindo com seu estomago devorador. Não há o que esperar. Corra, ande, viva. Não se perca. Não se perca.


Annabel Laurino. 

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ALGUMA COISA EXPLODIU, PARTIDA EM CACOS. A PARTIR DE ENTÃO, TUDO FICOU AINDA MAIS COMPLICADO. E MAIS REAL.



(Caio Fernando Abreu - Transformações. In: Morangos Mofados)



sexta-feira, 4 de maio de 2012

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“É você quem sorri, morde o lábio, fala grosso, conta histórias, me tira do sério, faz ares de palhaço, pinta segredos e iluminou minha vida nos últimos dias.”



quinta-feira, 3 de maio de 2012

Passarinho Aprisionado

    As vezes eu paro e olho para você. Te vejo vindo naquele passo tão reconhecido no fundo do meu cérebro e mesmo de tão longe, lá do outro lado da outra rua, muito distante, eu te reconheço caminhar. Como não reconheceria? Depois de tanto tempo... Sinto uma saudade lancinante. Não é nostalgia, do tipo de saudade que se sente  de coisas que foram e não voltam mais. É uma saudade de te ter por perto, de saber como anda a sua vida, arrumadinha como sempre? O que você tem feito? Você ainda lembra de mim? Quando chove, ou quando tem café meu rosto lhe paira na mente?
    Vontade de estar nos seus braços e sentir aquele cheiro tão familiar e gostoso, aquela sensação de paz tão boa creditada as boas risadas antigas que agora foram substituídas por olhares hostis que me entregas mansamente. Não há o que eu possa fazer de verdade. Mas sinto uma terrível falta da sua amizade, do seu rosto presente ao meu lado todos os dias. Sinto saudade de você e é estranho, sinto que essa saudade não pode ser suprida.
    Fico quietinha no meu canto, o vento sobre as arvores fustiga as folhas e logo golpeia meu rosto, vento frio de outono. Você atravessa a rua e me olha, fingindo não ver. Faço o mesmo. O coração como um passarinho preso na gaiola debatendo-se triste... Cheio de saudade, louco para se libertar.


Annabel Laurino

quarta-feira, 2 de maio de 2012

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Na certeza súbita no meio da fala, agucei os ouvidos.
Na certeza súbita que vinha devagarzinho como um mártir rastejante, com sua enorme cauda branca esvoaçando pelas escadas, como uma serpente branca.
Subitamente sabendo, franca, quase nua, tão pura na verdade intangível.
Nada seria recuperável jamais.
Nada tão substituível assim a ponto de esquecer.
Substituir tão difícil quanto querer esquecer e mesmo assim lembrar.
Substituir.
Nem nada, nem ninguém, nem coisa alguma.
Never. Não da.


Annabel Laurino.

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"De alguma forma embriagada a gente se merece e se pertence."

Gabito Nunes