O teto do quarto continua intacto. Quer dizer, como um teto
normal deve ser. Não sei se o seu é assim. Mas o daqui, a essas horas da
madrugada, continua completamente apático em sua pintura branca de madeira
antiga. Não entendo de tetos. Mas olho para cima a um bom tempo como se
entendesse. Ou como se visse algo de especial estampado nele. Não há. Apenas
ideias flutuando no fundo da retina, brilhando e refulgindo, sem parar.
Sou só eu que perco
o sono? Tenho certeza que não. Mais uma leitura de um livro completada, Stand
by Me toca nos fones de ouvido e eu tenho uma vontade louca de chorar, mas é
uma vontade mais próxima de morder os travesseiros, abraçar as cobertas, saber
que to viva, que alguém me toca, aperta meu braço. Mas não toca, não aperta. Tenho vontade de saber que
alguém ta perto, mas não tem nada, ninguém. Sou só eu, afundada em meio a um
amontoado de cobertas, com kilos de livros em cima da minha cabeça, nas
prateleiras, e um livro de um tamanho imenso, ao lado.
Entorpecida, é ai
que começo a olhar para o teto. Não sei, jogada na cama, afundada na vontade
voraz de sentir qualquer coisa, sem ter como sentir, entro na aceitação.
Aceitação é o primeiro passo.
Então o que vem
depois?
Você nunca se
perguntou o que você esta fazendo da sua vidinha rapaz?
Eu me pergunto a
respeito todos os dias.
A resposta, quase
sempre decepcionante.
As vezes eu penso
que posso morrer a qualquer segundo. Me pergunto: Então se tudo acabasse agora, nesse exato instante, eu estaria deixando o que de bom para trás? E o que eu estaria levando de bom?
O que eu teria construído realmente de importante, e o que eu estaria levando
de lição?
Não se trata de
auto reconhecimento, mantra cântico de yoga, salvação ética ou moral, papo
cabeça de psicólogo mal formado, não se trata de auto-ajuda, momento inspiração
divina. Trata-se apenas de uma verdade daquelas que é como se olhar no espelho
e ter que encarar que querendo ou não, você não acorda como as mulheres dos
filmes, incrivelmente maquiadas e lindas. De cabelos penteados e prontos.
É a verdade que
assusta. Você é um humano. Você não é perfeito. Ponto.
Fico pensando, às
vezes, tão perdida na insensatez da carne, quanto egoísmo meu! Mas às vezes, na
minha forma humana e carnal de encarar as coisas, da vontade de viver tudo de
uma só vez. Usar os esmaltes, um de cada cor, cada dia da semana, todos os
batons, mudar de estilo cada dia da semana, ir picotando o cabelo e tingindo,
ler todos os livros, o máximo que puder, ouvir todas as musicas, visitar todos
os lugares, conhecer o máximo possível de coisas, aprender, etc. Da vontade de abraçar
o mundo e ficar segurando ele e dizer no final que vivi.
Tão fútil.
Você morre e leva
que esmalte, que cor de cabelo, quem vai lembrar de você falando de livros como
uma neandertal em uma época tecnológica?
Egoísmo minha
cara, não convém.
Repentinamente da vontade de salvar alguma
coisa que não seja eu mesma, da vontade de sair porta afora e abraçar qualquer
morador de rua. O mesmo sangue que passa pelas minhas veias, passa nas veias
sangrentas dele também. Da vontade de chorar só de imaginar o quanto de tempo
se perde pensando em uma única pessoa, o dia inteiro, 24 horas por dia, e essa
pessoa sou eu mesma.
Não é como jogar uma mochila nas costas e ir
para a África, fazer uma rebelião, arrecadar fundos para os carentes, Madre
Teresa de Calcutá, ao estilo John Lennon e Yoko Ono, não é isso. Não é nadica disso. É
mais ou menos como se sentir viva irmão, viva, entende? Mas sem me fazer viva,
é a graça pura de tocar uma pele que não é a sua, um desconhecido, olhar
aqueles olhos vagos de quem já percorreu tanto, caminhos tão diferentes do seu,
e não se importar com etnia, cor da pele, cor do cabelo, fundo bancário, carro
do ano, roupa da moda, sapatos caros. É estender a mão e dizer: Vem irmão, vem,
eu você e todo mundo estamos no mesmo barco, vamos morrer um dia, e sabe lá
Deus quanto tempo ainda me sobra, mas além das estrelas ou do Universo, nesse momento
crucial eu te ajudo, me ajudas também.
O teto ainda
parece branco, em tinta, em cor, em apatia total, sem nada me dizer. Mas há uma
voz clara, uma candes completamente quente que pulsa, dentro, fora, dos lados
embaixo, muito além de mim. De repente um caminho começa a se formar, uma ideia
quase pronta na cabeça, uma vontade no coração e não pareço mais estar
sozinha. Solidão é quando não temos capacidade de amar, amar, amar.
Quanto
necessário seria repetir para entender que amar é quando não pensamos mais em nós
mesmos?
Teto branco, caminhos brancos. Pensamentos genuínos.
Annabel Laurino.