sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Primavera depressiva e a droga da transição


    Dizem os meteorologistas que a primavera chegou. Dizem os ambientalistas que estamos em uma fase de transição cuja ocorre raramente em um período de anos, esse em especial é um ano louco, é verão no inverno, inverno invadindo o outono, o outono invadindo a primavera e a primavera abocanhando o verão. Coisa de doido mesmo. Mas os meteorologistas afirmam que isso é normal, é o ciclo de transição do globo terrestre para poder se estabilizar.
    Mesmo assim as flores brotam lá fora da minha janela, no topo de uma arvore alta que alcança as telhas e fica bem na vista. Mesmo assim parece que todos os animais estão procurando um par por ai, e os casais parecem mais animados, os que ainda não formaram um, estão procurando um par por ai. Tudo como manda o cronograma. Só que os casais estão se desfazendo aos poucos e muito rápido. Pera ai, o que? Não estamos na primavera?
    As regras foram quebradas esse ano, meus companheiros. E os casais, na primavera, quase não existem mais. É tão inédito quando sorvete Negresco no supermercado. Os casais primavelescos estão em extinção. As pessoas querem ficar só.
    Claro, os psicólogos dizem que isso é normal. É uma fase de transição muito compreensível afinal o ser humano anda muito independente. Homens e mulheres preferem morar sozinhos e os jovens preferem curtir. Ninguém quer mais saber daquele troço antigo e muito out que os avós da gente diziam que era amor. Isso só acontece no carnaval, com confete e samba da Ivete Sangalo ao fundo. E como os caras estudiosos afirmam, é uma situação normal, vai se estabilizar.
    O que houve com as pessoas eu não saberia dizer. Astrólogos dizem que o clima fora dos eixos desencaixa-se do plano astral, interferindo nas áureas humanas. Os astrônomos arriscariam dizer que a estrela mãe está com vibrações radiativas de alto nível que estão causando problemas sobre os nossos cérebros e claro, o clima. Os ateus estão isentos sobre as informações, não acreditam em nada.
    Eu, bem eu não sei o que eu acho disso tudo. É tanta flor querendo voar e tanto pássaro querendo correr. É tanta gente caminhando para todos os lados. Os vovôs e vovós dizem que tudo é culpa da ‘internetilização’. Quando criaram os fones de ouvido então, acabou o romance, ninguém mais quis saber de ouvir o que os outros tinham a dizer e todo mundo se enfiou nos seus casulos.
    Transição é fase repleta de mudanças, bem como todos sabem. Eu mesma sou um ser puramente de natureza transitória. Mas ultimamente da uma saudade dos velhos tempos, não digo do tempo especifico, mas quem sabe do tempo do vovô e da vovó mesmo. As primaveras eram frescas e cheias de flores e as pessoas paravam nas ruas para se cumprimentar, para comentarem sobre o aroma das flores e frutos da cidade, sobre o céu limpo e azul, os verões eram longos e quentes e os invernos recheados de grossas roupas, longos casacos, chuvas temperais acumulando poças pela cidade e homens cavalheirescos auxiliando belas damas a atravessá-las.
    Cadê os beijos roubados? Onde foram parar as cortesias, os investimentos de um romance prestes a engrenar, os pedidos de namoro com cartas e flores e os bombons do dia dos namorados? Onde está a primavera, aliás, perdida por ai em algum canto do mundo incapacitada de se achegar sobre nós loucos? Eu nem vi as flores que dirá o amor! Onde foram parar as boas musicas e o céu limpinho lá acima, e beijo na mão com faces rubras, cadê o amor minha gente? Cadê a beleza de tudo isso?
    De tantas pessoas analisadas na história, uma criança de cinco anos disse que amor ta aqui oh, aqui dentro, desse peito da gente. Olhando lá pra dentro nem com mil olhos eu posso ver, garanto que ninguém pode, mas manda essa gente toda começar a senti-lo por ai, a começar a amar um pouquinho vai, quem sabe assim, a primavera aparece, recuperada e forte depois de sua crise de depressão, não tendo mais corações para inflar e flores para brotar, depois que todos esqueceram-se de apreciá-la, de se inspirar, de sonhar. “Que coincidência é o amor!”.


Annabel Laurino