Quero que você
fique, que você fique. Quero que você fique. Começa assim baixinho, uma melodia
calma, clarinha, bonitinha. Cantada calmamente soa devagar até que finalmente a
agulha encontra o disco e ele começa a rodar na vitrola então torna-se mais
precisa, mais urgente, e roda e roda e o
som se espalha como um suspiro. Quero que você fique.
Quero que você se
torne feixe de luz brilhante que irá pulular contente no teto do meu quarto,
quero que você seja doce como jujubas coloridas, daquelas minhas favoritas, as
azuis, que lembram muito jasmim, assim, docinhas. E por falar em lembrar, não quero te lembrar nada que
possa ter sombreado no seu passado algo bom ou ruim, quero ser sua coisa nova,
brilhante, que irá iluminar algum recanto bom da sua vida. Deixe o passado para
depois, onde ele deve ficar, porque não existe mais tempo para ele.
Por isso mesmo, eu
não quero ser para você nada que já tenhas tido. Quero ser presente novo, sua
surpresa, seu gosto bom. Assim como eu quero. E que tenhas lugar no meio da sua estante para mais um livro já meio
amassado, com páginas rabiscadas e orelhas marcadas, porém em sua defesa,
existem coisas nele, frases e segredos, principalmente nas entrelinhas, que
ainda ninguém leu. E você pode ler.
Que eu seja para
você o que ainda ninguém foi. Pode ser até um reflexo, uma paisagem outonal,
uma pintura, um sorriso. Que você faça por mim o que não fez por ninguém, que
faça comigo o que não fez com ninguém. Porque não haverá passados, não haverá
coisas velhas. Algo muda perto de você porque tudo se faz novo. E isso faz
sentido agora.
Como um disco e
uma vitrola, nós dois combinamos bem. Como uma dupla vintage, meio démodé, meio
blasé e que fica cute, eu acho cool. Nós nos enamoramos bem.
Vamos ouvir
discos velhos na vitrola do seu quarto, vamos nos beijar por horas e horas e
horas. E depois rir descontroladamente um com o outro ou um da cara do outro.
Deixa eu fazer manha, a minha manha, enrolar meus pés nas suas pernas, ronronar
baixinho quando o beijo estiver bom, dizer que não quero que você me abrace
mesmo já envolvendo meus braços em torno da sua cintura magra e que eu gosto
tanto. Deixa eu me deliciar com os seus detalhes, com as suas pernas compridas,
seus ossos protuberantes, suas costas brancas, seus olhos fortes.
Se você não
quiser, tudo bem. Estou enviando para você minha caixinha de biscoitos da
Alice, mesmo assim. A regra é clara. “Coma cada um deles”, servem para isso. E
você pode morder devagarzinho, para se deliciar com calma.
Se chover não tem
problema, a gente corre no meio da chuva, ri, pula as poças, se molha, claro,
faz parte. Não tem problema. A gente até desafia o tempo e para no meio do
caminho, se beija e tudo bem, volta a correr depois.
Descobrir você ou
você ter me descoberto foi como não saber que ainda estavam vendendo de ultima
hora os ingressos da minha banda favorita e que eu ainda poderia me divertir e
ir ao show. Não hesitei, eu comprei os ingressos. Foi foda, foi incrível, foi surpreendente.
Descobrir você foi assim.
De repente tudo
isso não passa de um sonho, brincadeira, coisa que a gente nem irá saber definir.
Talvez depois de amanhã você queira ir embora, talvez eu tenha que ir embora.
Talvez tudo fique entoando como uma nota de uma flauta soando suave num disco
que ainda roda na vitrola sem ninguém ouvir. Faz parte, nós sabemos e corremos
o risco.
Depende se você
quer ficar, se eu vou ficar. Mas o que importa é que ainda temos Paris, ainda
temos os Macarrons para serem provados, ainda temos Gramado, ainda temos os
discos, os livros, as bandas e Camel. Ainda temos um universo nosso que sem
querer e talvez sem nem mesmo perceber moldamos secretamente sem permitir a
entrada de ninguém a não ser de nós mesmos.
E dançamos,
dançamos sobre a luz da lua que banha nosso universo mágico que ninguém pode
ver, a não ser os reflexos ofuscantes que emanam dele. É cheio de literatura,
música e sons, e beijos e coisas doces e tudo e tudo. É um universo Polisipo,
todo Polisipo. A nossa pausa da dor. I’m your recall, you are my locomotive
breath.
Annabel Laurino