quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Eu não sei como dizer que eu fui sem querer ter ido

    Talvez se tivesse pintado qualquer chance de ter jogado as malas carregadas no chão e ter desistido da ideia, a ideia essa de ter ido embora, então eu teria voltado ao ponto onde tudo começou, o instante entre o meio de partida e o da decisão, aquele em que simplesmente fui embora.
    Teria voltado no segundo em que arrumo as malas, e as teria deixado vazias. Para voltar vez em quando com uma desculpa amena de pegar algo que esqueci. E esse esquecimento seria o tudo, que eu deixei para trás. 
    Teria voltado no instante em que disse mil palavras por nanosegundos e ao mesmo tempo eu não disse nada, porque na verdade eu nada conseguia dizer, eu nem se quer conseguia pensar. Eu não teria dito nada. Eu voltaria para dizer depois. Como desculpa de que teria pensado melhor, você sabe.
    Não teria respirado tão rápido assim. Teria enchido mais lentamente os pulmões de todo o ar que os pobres coitados poderiam suportar, preenchido as narinas lentamente com todo aquele cheiro de lar incrustado agora só na minha memória. Só na minha mente lenta e profundamente, eu digo, guardei seu cheiro de lar.
    É, talvez do material eu não sinta tanta falta, das fotos talvez. Porque essas eu rasguei todas, pus fogo, chorando convulsivamente como louco, como uma pessoa faz quando não há ninguém por perto assistindo o drama, como uma pessoa costuma fazer quando perde o controle, sem pose e nem classe, como a dor deve ser. De todas as coisas eu só sinto falta da minha gaveta do banheiro com a presença de uma escova de dentes a mais, fora isso somente as fotos, aquelas em preto e branco, principalmente. Na praia, sol de domingo, você de roupa de banho e eu pensando na sua silhueta com os olhos no seu rosto, tentando disfarçar. 
    Nada mais além disso mesmo. 
    Se me perguntassem hoje se eu não teria ido embora, caso tivesse a oportunidade de voltar no tempo, eu teria dito que teria ido do mesmo jeito. Uma hora ou outra um de nós teria pulado do barco. Não é assim que funciona? Pelo menos 5% dos relacionamentos nascem para serem massacrados por uma história triste onde sempre existe alguém que 'não sabe lidar'. O nosso foi assim. Fomos os 5% dos casais mais infelizes do mundo, aqueles que foram feitos para não ficarem juntos. Algo entre o seu cérebro e o meu, algo além da minha boca e da sua, alguma conexão falhou. Hoje eu entendo, antes não. Por isso eu convivo bem com o fato de ter ido embora e ponto. Não mudaria isso. Mudaria ter sido assim, tão abrupto. Esmigalhando qualquer chance de reparação.
    Nada foi covarde. Foi só que eu 'não pude lidar'. Você sabe. Não ouço mais Harrison por culpa sua, não toquei mais na minha guitarra desde então. 
    Droga, eu só queria pelo menos ter uma desculpa para bater na sua porta num dia desses, dizendo que esqueci minha camisa favorita, meu CD, meu livro, a foto da minha mãe, qualquer coisa. 
    E dizer olá outra vez.
    Como se eu nunca tivesse ido embora. 






Annabel Laurino