domingo, 12 de agosto de 2012

go away


    Tamborilou nervosa na tampa da mesa de vidro. As unhas tingidas de rosa choque fazendo uma melodia agonizante. Bufou o ar pelos lábios crispados, olhou aflita para fora da janela suja e empoeirada, passou a mão pelos cabelos bagunçados e em desordem, os bagunçando ainda mais.
    - Pare por favor, está me deixando nervosa só de lhe observar.
    - Não tenho culpa.
    - Na verdade tem.
   Ela baixou os ombros sentindo-se cansada, vazia, culpada.
    - Talvez eu tenha então.
    - Claro que você tem.
    Olhou seu reflexo meio distorcido no vidro da janela. Sentia-se boba, ali, sentada, naquela hora da noite, perdida em um sábado qualquer, buscando qualquer coisa que a mostrasse uma direção que pudesse servir de consolo, enquanto fugia das essenciais respostas que tentava evitar a muito tempo. Analisou a linha dos cabelos, os fios em disparate, os olhos enérgicos atrás dos óculos, a boca pequena torcida numa feição mais que aflita.
    Suspirou mais uma vez.
    - Talvez seja culpa minha mesmo... Talvez não, é minha culpa. Tentei fazer uma coisa nitidamente impossível acontecer, só por que sou fria e ridiculamente egoísta, não prestei atenção nos sinais claros de que tudo isso não daria certo.
    [silêncio]
    - Não sei o que fazer. – sentenciou, confiando ao silêncio ambíguo do lugar, a dentro de si mesma, uma verdade retumbante.
    - Eu muito menos.
    - Mas você precisa me ajudar. Precisa me dizer o que acha.
    - Acho que você está louca. Acho que você tem problemas, sei lá. Eu não poderia ajudá-la, mas um especialista talvez. Não me leve a mal, mas quero terminar esse meu bom drink descansadamente.  
    - Você quer é me fazer chorar.
    - Você não choraria.
    - Está sendo cruel...
    - Estou sendo realista.
    - Acho que devo ir embora.
    - Lá vem você outra vez...
    - Falo sério. A melhor coisa a fazer agora, talvez, seria sumir por uns tempos. Amenizaria danos.
    - Não, você prolongaria o tempo dos danos acontecerem.
    - Você está vendo de uma forma errada.
    - Conte-me mais senhorita “preciso fugir”
    - Não é fugir. É só acabar com tudo de uma vez, vai doer muito, mas não machuco mais ninguém.
    - Ah.
    - Olhe para mim, eu nem sou bonita, sou só uma mulher carente, iludida, criança, mimada, sem coração e mortalmente cruel. Não tenho nada a oferecer a ninguém. Estou vendo-me muito claramente agora, e tudo que eu vejo não me agrada. – encarou-se na tampa de vidro frio da mesa, seu reflexo batia contra a luz do abajur ao lado e refestelava em seus olhos. Não a agradava.
    - Você tem problemas.
    - Eu sou o problema.
    - Tome um drink.
    - Não sou segura bêbada.
    - Eu te asseguro de qualquer coisa, bebe, deixa de ser chata.
    - Preciso ir embora.
    Dispensou o drink. Dispensou mais um olhar aflito ao seu próprio reflexo no tampo da mesa, dispensou a cantada do cara mais velho da mesa ao lado, levantou-se deixando a mesa que estava vazia, juntou a bolsa e disparou para a porta. Iria embora.



Annabel Laurino

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Queria dizer tanta coisa, mas roubaram-me a voz, apontaram em mim meus discretos defeitos gigantes, fizeram-me mais baixa, mais frágil, quedavel. Arrumei a cama e olhei tristonha os travesseiros em pilha, jogaria-me sobre eles e deixaria-me por ser engolida, logo, dormiria. E pelo pequeno feixe de sol risonho no céu de um domingo, eu descobriria triste que dessa vida pouca coisa a gente entende.

Annabel Laurino

A Deus dará



   Meu individualismo foi tão grande e de tamanho afeto que me arrobou. Cansada, criança pequena e carente, desperdicei minhas chances com você, vendei meus olhos incertos e desliguei minha mente insegura, andei passos de bêbada entre carros apressados de uma avenida ensandecida. Desagrada-me o triste ritmo e rumo que as coisas, nossas coisas, tomaram. Nos tornamos estranhos hablando uma língua desconhecida, desconexa, confusa. Tínhamos tudo e resolvemos ter nada. 
   Acho que não me entendes quando dizes que me entendes. E me perdes quando dizes que queres me ter. E assim, me ganhas quando dizes não me querer mais. Sem lógica, banal, to sem voz para continuar a falar, a explicar mais uma vez que nada na minha mente muito pequena, às vezes ampla, pouca coisa passa batido. Não sei que rumo tomar. Tento desenhar desenhos em quadros para que você possa me entender, me salvar dessa fuga inimaginária e você só me joga rumo ao vento, deixando-o lançar meus cabelos para o alto, sussurrar irresistível nos meus ouvidos e me mostrar a direção contrária. Distrativo. Me distraio fácil. E você disse, 'tudo bem'. Aprumei as velas, quando vi, feito barquinho a Deus dará em alto mar , ondas grandes, e a casa? E a vida certa? E o caminho de volta? Perdida, suspirei mais uma vez. Você já estava longe, e eu, muito mais. Nos perdemos.

Annabel Laurino