quarta-feira, 19 de outubro de 2011

.

Eu sei que dói. É horrível. 

(c.f.a)



    Acabaram-se os dias de alegria, as regurgitações nervosas no peito, as palpitações de euforia latejando nas palmas das mãos suadas, os sorrisos envergonhados, roubados, os beijos, os amassos. Lá se foram as ligações no meio da madrugada, sobre assuntos quentes, vezes por expressão de duvidas vertiginosas, ansiedades, mágoas não comentadas.
    Ficaremos estampados em porta-retratos e fotos guardadas no computador. Eu e você, um ao lado do outro, sorrindo. Guardaremos conosco dias chuvosos, tardes ventanosas, dias alegres e por vezes, quem sabe sempre, o nosso amor aprofundado no brilho dos olhos enquanto se soava o clique da foto.
  Seram guardados os cheiros, o toque dos fios de cabelos, o encontro dos corpos, os beijos ansiosos e famintos. Nos guardaremos na memória. Em uma caixinha secreta, quem sabe. Mas nos guardaremos.
   Afinal, essas coisas não se esquecem assim. Não é sempre que se tem um amigo e depois descobre nele um amor. Não é todo dia que se entende o que é amar, se apaixonar e ver aquela coisa insana crescer dentro da gente. Não é sempre que aprendemos a lidar com a dor, com a saudade, e driblar o egoísmo humano que muitas vezes fala mais alto.
   Eu aprendi isso, aprendi que não posso pedir de você mais do que você pode me dar. Que não posso mudar ninguém, muito menos você. Não posso obrigá-lo a ser aquilo que não és e fazer aquilo que vai da além da sua capacidade de lhe ser. Por isso parto. Carrego na mão algumas fotos, músicas, imagens e sensações de sua presença sempre ao meu lado. Guardo seu riso, sua voz e você sussurando baixinho “amor.”. E quando lembro-me na metade do caminho de que dizias que me amavas, não sei se acredito, se realmente faz diferença acreditar ou não, mas sustento essa frase e repito de imediato: “Oras, eu também te amo.”
   Por isso, parto.

Annabel Laurino. 

.


A porta azul ainda estará aberta. A maçaneta cor de rosa ainda clicará fácil quando você for forçá-la. Ela clicará e você poderá abri-la e entrar. O tapete verde mar ainda estará levando-o para o mesmo lugar, flores amarelas e azuis estarão nos vasos brancos, onde você deixou antes de sair. Os quadros de molduras em neon estarão gritando no corredor, o piano estará tocando sozinho, nenhuma figura estará dedilhando o teclado empoeirado que você deixou para trás. Quando partiu. Minha boca seca estará gritando, a pele nervosa e rachada estará suplicando. Não, água não. A fonte que mata a sede está em outro lugar, outro corpo. Seus passos aumentam no lugar, suas pegadas macias e pesadas sobem a escada branca, seu corpo esguio sobe e sobe. Já posso escutar.
 Minhas mãos pingam de suor, eu posso ouvir. Meus ouvidos se aguçam. Meus olhos entre a tempestade de luz que golpeia da janela se afirmam na reentrância e afinam o foco. Um suspiro lento como um golpe no ar sopra dos meus lábios rachados causando dor e ardência. Vejo sua moldura alta, a forma brilhante de seu corpo branco. Seus olhos brilham no sol. Suas mãos nos bolsos, sua boca vermelha e úmida. Até que enfim, você chegou.

   Annabel Laurino.

Adaga


    Então, – como sempre começa uma história horrível e trágica – ela empurrou a adaga. Simples. Apertou firme contra o próprio peito, sem sentir dor. Tamanha dor já fora no inicio, agora, espalhada pelo seu corpo, tomando-a por inteiro, a dor era quase uma sensação de uma coberta cálida e venenosa, a tapando inteiramente.
    Lágrimas não sobrepujavam para fora de seus pequeninos olhos brilhantes, nem mesmo uma gotícula úmida. Nada. Eram vazios e não capturados, vagos, meio caídos, como em repouso, duas orbitas brilhantes, sem sombra de vida, brilhavam por pura fatalidade de um brilho seu.
    Ela continuou ali, parada, no frio, apontando a adaga gélida e fina, afiada e dura, contra seu próprio pequeno corpo macio.
    Ela pensava em milhares de coisas.
    Por que estava fazendo isso afinal?
    Partir era, na sua opinião, uma coisa muito tola de se fazer.
    Na verdade, nessa hora da história, deve-se dizer que não existe adaga alguma, só para esclarecer. Ela não era louca, não iria afinar o próprio corpo na esperança mutua de trazê-lo de volta. Não iria adiantar.
   A adaga fria, fina, afiada e dura, é só algo vago que preciso dar nome, um conjunto de sentimentos, uma situação venerosa, o arrebatamento da alma da própria moça.
   Mas é verdade que estava frio. E que ela sofria, embora dor alguma sentisse e nenhuma lágrima escapulisse brilhante para fora de seus olhos.
    Seus lábios crisparam-se, secos em vida. Ela, que tanto esperava da vida, agora não esperava mais nada. Sentou-se na areia sentindo os grãos quentes e tostados do sol arranharem em sua pele, sentiu uma brisa vinda de longe cortejar seu rosto e depois não sentia quase nada. Somente o sol, o dia, a movimentação das cores, as conotações das luzes e o movimento do ar, das nuvens acima e os pássaros voando ao longe.
    Havia tanta gente, para todo lado que se olhasse. Gente aqui, gente ali. Ela se perguntou se havia ele no meio de tanta gente. Seu coração frágil ribombou no peito e depois saracoteou na esperança cálida querendo fervilhar no mesmo instante.
    Não, repreendeu-se.
    Tirou uma foto da bolsa, a foto dele. Queria chorar, mas lágrimas não lhe vinham, assim como muitas coisas já não lhe vinham mais.
    Como palavras, ou como doces e alegria. Nada vinha. Sentia-se a espera de coisas que jamais iriam chegar. Coisas como os planos que fizera com ele.
    Ah sim, ela havia feito muitos planos. E alguns ela nunca comentou com ninguém. São aqueles planos que se faz quando se está só. Deitada na cama, mexendo nos cabelos bagunçados e escutando o som da chuva, ela pensava e imaginava os dois juntos, os dias perfeitos, as tardes languidas, as coisas certas, as brigas que depois iriam se acertar, o fim do incerto e da insegurança sem fim, os dias em que passariam rápido deixando rastros do quero mais.
    Milhares de coisas assomaram em sua mente enquanto segurava aquela foto. Droga, ele nem sabia daquela foto.
    Mas ela a tinha.
    A tinha como milhares de coisas que possuía e ele não sabia. Milhares delas, fragmentos de sentimentos dolorosos que nunca chegou a lhe contar, sonhos e seus planos, e alguns segredos de cá e de lá.
    De repente uma coisa bruta se chocou contra seu peito e uma avalanche de emoções lhe cobriu como uma nevoa embaçada e mórbida.
    Pronto.
    O medo, a solidão e o desespero lhe preencheram até as solas dos pequenos pés.
    Estava perdendo-o, para a vida, para os caminhos do destino, para a fatalidade do tempo e do momento, para tudo e para seja lá mais o que que tivesse uma força tão maior do que ela pudesse citar.
    Dor e magoa.
    Chorou.
    Sentiu as lágrimas sendo arrancadas a força e de repente a ardência em seus olhos lhe fez chorar mais e mais e tão mais não chorava com força, chorava entregue. Entregava-se em cada soluço, em cada pedaço que sentia das lembranças sendo mortas a facadas lentas na sua mente fresca.
    Tudo que ela pensava era nos dois juntos. Nos momentos bons, nos sentidos, na ausência, na saudade do seu corpo, do seu calor, dos seus pelos, seu rosto, seu gosto, tudo lhe arfava fortemente, a destruindo.
Então a adaga estava lá, girava contra seu pequeno corpo e a dor era insuportável.
Mais lagrimas tremidas. Mais café quente e amargo. Mais dor, mais saudade. Mais um fim.

Annabel Laurino.