quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre escrever, você sabe

    Algo dentro de mim rimbombava num frenesi constante de uma história que queria ser contada, mas que ainda nem tinha sido vivida. De uma história com muitos nomes para a classificar mas que não fazia sentido próprio se não tivesse ela uma... vida.
    Porém ela existia. E voltava a dormir e acordar em todas as vezes em que eu abria um livro ou assistia aos créditos finais de um filme rolando na tela da televisão. Ela se recriava constantemente nos recônditos mais secretos de mim mesma, vinda de um imaginário múltiplo, era uma história cheia de dores e amores e as coisas mais fantásticas que se pode pensar. Ela era pura como um fio branco de nuvem cortando o céu e tão, tão escura quanto o mais negro breu.
    Uma vez num certo dia essa história pediu-me com muito carinho para que eu a contasse, para que eu a transcrevesse em algum lugar. Escrever não, transcrever, de tal forma qual já existia e eu não pude negar. Pediu-me para que tivesse calma e muita, muita delicadeza. Disse-me: "O mais fácil é lembrar dos amores que já trazes no peito.".
    Lembrar. Ela me fez lembrar como era ser criança outra vez, como então eu poderia de uma hora para outra provar o gosto bom de um doce que fora mordido lá quando criança. Foi pura mágica, como também foi muita dor, e todas as lembranças tinham seus gostos de favos de mel acompanhados de um tormento ameno de cicatrizes agora já curadas e saudade. Saudade. Ela me fez tomar pequenas doses disso.
    Foi assim que fui trilhando meu caminho passo a passo, seguindo meu próprio trajeto em escrever sorrateiramente nas paredes de prédios abandonados da cidade onde todos passavam em frente mas poucos percebiam suas rusticas rachaduras do tempo ou seus destroços remoídos pela destruição, janelas quebradas, poeira a dentro.
    Amor. Algo tão antigo, algo tão épico, findável, duvidoso. Que palavrinha essa que me vem e me atormenta. Durante séculos passando de boca em boca pela humanidade e essa palavra ainda nos causa tanta contradição. Foi sobre isso que eu tive que escrever, várias e repetidas vezes mas sem me cobrar além do fator máximo que se chama sinceridade. Tive que ir nos lugares mais escuros de mim mesma e me buscar diante a uma incredulidade que muitas vezes me espantava, me dava desgosto. E logo após isso eu aprendi muita coisa, entendi muita coisa.
    Não, as páginas dessa história não estão prontas ainda, palavra por palavra é escrita com a precisão e a lentidão da alma, do sossego. E é por isso que eu ando sem pressa, que todas as manhãs eu descubro o sabor doce que o outro amanhã sempre pode ter. 
    As histórias se criam sem alardes, sem promessas. Elas só precisam de alguém que as conte. 
    Eu contarei algumas.
    Tantas mais quanto eu puder.




Annabel Laurino


(7) Tumblr

terça-feira, 27 de agosto de 2013

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"Ando com uma vontade tão grande de receber todos os afetos, todos os carinhos, todas as atenções. Quero colo, quero beijo, quero cafuné, abraço apertado, mensagem na madrugada, quero flores, quero doces, quero música, vento, cheiros …"


Caio Fernando Abreu

sábado, 24 de agosto de 2013

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Forever

Você precisa destapar os ouvidos
Para ouvir a chuva
O tempo que se perdeu, já foi achado
No fundo do teu bolso escondido
O tempo não se perdeu
Nem foi perdido
E cai agora a chuva
Que respinga na minha blusa azul 
Que respinga no mundo frio
E nós nos damos as mãos
Entrelaçados pelo tempo
Este tempo que não se perdeu
O mundo gira devagar
A fria névoa vem nos alcançar
Mas nós fugimos
Aves cortando o céu a noite
Você precisa ouvir a chuva
Como flui 
E dança
Maybe nothing lasts forever 
Talvez, talvez
Somos infinitos gritantes
E chove lá fora 



Annabel Laurino 

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    "Ah, no fim destes dias crispados de início de primavera, entre os engarrafamentos de trânsito, as pessoas enlouquecidas e a paranóia à solta pela cidade, no fim destes dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, no que resta de cabelos na minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro. Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços, você cobre com a boca meus ouvidos entupidos de buzinas, versos interrompidos, escapamentos abertos, tilintar de telefones, máquinas de escrever, ruídos eletrônicos, britadeiras de concreto, e você me beija e você me aperta e você me leva para Creta, Mikonos, Rodes, Patmos, Delos, e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem. "


Caio Fernando Abreu




quarta-feira, 21 de agosto de 2013

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“E você me dizia com a voz terna, cheia de malícia, que me queria pra toda vida.”



Cazuza


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

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    "Meu Deus, não sou muito forte, não tenho muito além de uma certa fé — não sei se em mim, se numa coisa que chamaria de justiça-cósmica ou a-coerência-final-de-todas-as-coisas. Preciso agora da tua mão sobre a minha cabeça. Que eu não perca a capacidade de amar, de ver, de sentir. Que eu continue alerta. Que, se necessário, eu possa ter novamente o impulso do vôo no momento exato. Que eu não me perca, que eu não me fira, que não me firam, que eu não fira ninguém. Livra-me dos poços e dos becos de mim, Senhor. Que meus olhos saibam continuar se alargando sempre."


 Caio Fernando Abreu

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Tenho aprendido coisas que ainda estão vagas dentro de mim, mal comecei a elaborá-las. São coisas mais adultas, acho. Tem sido bom. 



Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Viva La Vida

    E a vida se renova meu irmão. Sei que já disse isso antes, mas não é repetitivo, ou é, não sei, de qualquer forma se trata de um fato. Um fato muito comprovado. A vida é limbo para renovações.
    E eu estou sempre a espera de um novo ônibus, a qualquer hora nessa vasta estação. Não tenho medo. Nem das esperas e nem das partidas. Pouco me entedio, porque encontro na espera abusiva um motivo para contornar meu tempo e refletir, compreender. E é nas partidas que tem-se as novas chegadas e enquanto algo chega outra coisa se vai, vezes pode ser até eu mesma indo e depois vindo e assim se vai.
    Vezes tudo fica um caos. Uma loucura, loucura! E tem-se as crises, os choros, as noites em claro sem conseguir pregar o olho com a mente num congestionamento terrível, mas isso passa, tudo passa e então a vida se renova e eu encontro um novo motivo para existir dentro de mim mesma. 
    Isso se chama felicidade.
    Pequenas doses diárias de felicidade e sensações de realização fazem desses dias melhores. É como eu disse, eu não tenho medo. Estou sempre pronta para puxar a corda do meu paraquedas e pular, qualquer coisa que me venha, qualquer coisa e eu pulo, eu me arremesso, eu grito e eu sinto e assim eu vou indo, porque sinto na pele o que a vida me dá e me tira e depois me dá em troca e tudo vai sendo melhor de alguma forma, mesmo que as vezes doa, e dói. Tudo se ajeita. Viver é ser. Sentir.
    Então sempre em frente, como diria Renato Russo. Nada de olhar para trás, nada de sofrer, de choramingar, o que foi já se foi e não volta. Não volta. Não temos tempo a perder.
    Por isso eu acordo todas as manhãs com a sensação de que a vida é boa, mesmo que triste, mesmo com a ressaca diária do tempo que já passou, a vida é bela, veja só.  
    Ela é mestre, e eu danço hoje porque amanhã eu não sei onde fica o meu ponto de aterrissagem, não sei onde fica, só sei que vou. Sem medo. De qualquer forma eu estarei feliz. Eu já estou.




Annabel Laurino

terça-feira, 13 de agosto de 2013

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Mesmo tendo juízo
Não faço tudo certo 
Afinal todo paraíso
Precisa de um pouco de inferno!




Martha Medeiros

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

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YOU DON'T KNOW ME





"Você não me conhece
E aposto que nunca vai me conhecer
Você não sabe nada de mim
Me sinto tão sozinho
O mundo gira devagar
Não há nada que você possa me mostrar
De trás da parede"



Caetano Veloso

sábado, 10 de agosto de 2013

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Não sei, comigo vai tudo azul 
Contigo vai tudo em paz 
Vivemos na melhor cidade 
Da América do Sul 
Da América do Sul 
Você precisa, você precisa 
Não sei, leia na minha camisa 
Baby, baby, I love you 
Baby, baby, I love you



Caetano Veloso

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Inovação no ramo da vida

    Quem nunca se perdeu, irmão? Quem nunca teve seus 32 segundos de insanidade? Quem nunca teve vontade de sumir e brotar em algum outro lugar do tempo espaço sendo qualquer coisa como um vegetal e nada sentir? 32 segundos de loucura e você se perde nas suas próprias limitações. 32 segundos de coragem súbita e você faz algo estupido que se lembrará para sempre. 32 segundos de paixão e você toma uma decisão errada.
    Todo mundo tem seus 32 segundos de loucura na vida, acredite. Estudos mostram claramente sobre essa novidade e apontam que a cada dez pessoas no mundo nove já provaram dos 32 segundos, o restante está morto e enterrado por causas desconhecidas/diversas. 
    Alguns cientistas do ramo de pesquisas sobre a mente e seus funcionamentos neurológicos chegaram a conclusão de que o cérebro humano é impulsivo por si só, com suas diversas divisões de comando e cada qual apontam para vontades diferentes e que uma pessoa que está em seu BadTime pode facilmente se recuperar se ela souber como comandar o seu cérebro, enviando para ele mensagens como 'preciso ficar bem, preciso ficar bem, preciso ficar bem' até que ele envie mensagens de volta como 'está tudo bem, está tudo bem, tudo bem'. Nesse caso, seria preciso apenas 32 segundos. 32 segundos de uma vontade imensa de se sentir melhor.
    Veja só, nem tudo na vida é estupido. Você pode usar esses seus segundinhos de impulsividade para sei lá, decidir pular de Bungee Jumping ou quem sabe entrar em um ônibus qualquer sem olhar para onde está indo e simplesmente ir para qualquer lugar ou comprar um cachorro, vender a casa, pintar o cabelo de amarelo, gastar todo dinheiro da poupança ou casar com um cara que você acabou de conhecer à la Britney Spears, vai saber. As opções são imensas, mas o bom nisso tudo é que você também pode utilizar esses segundos sagrados para tomar decisões óbvias, sensatas e claras, como decidir ficar bem.
    E isso é outro estudo. Todo mundo quer ficar bem, é como o sonho de ganhar na loteria, todo mundo quer, tem até gente matando pra isso. Ficar bem hoje em dia é como alcançar o Nirvana, todo mundo almeja. 
    Utilizei meus 32 segundos para me sentir melhor. Vai, me julga, sou como a maioria da população, eu poderia sei lá ter agido como John Lennon e a Yoko e ter feito um movimento sobre a paz e ficado nua para milhões de pessoas, mas invés disso eu preferi nadar como todos os outros peixinhos. 32 segundos apertando um botão flash da mente do qual as lembranças foram revertidas à passado e tudo ficou onde realmente deveria ficar. Do meu estado de angustia e vontade de mofar na cama passei para a vida é bela e tudo pode ficar melhor. Sabe quando parece que sua mente se ilumina? Então. 
    Estudos apontam que você pode fazer o que quiser, até mesmo comandar seus sentimentos. Eu não sei bem se isso é verdade, mas eu decidi fazer uma limpa por aqui, como arrumar as gavetas e tirar o pó dos livros. Aproveitei e coloquei um som e depois acendi um incenso e irmão, tudo ficou mais claro, mais justo, mais sensato de sentir. É tudo questão de toque, de tato, de entender, de ter uma perspectiva melhor. 
    32 segundos de puro entendimento. 





Annabel Laurino

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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

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"Tem coisa que não volta, por mais que a gente queira. Você pode até tentar voltar o disco, repetir a música, insistir na letra, cantar o mesmo refrão por mil e um minutos, fechar os olhos. Tem sentimento que não volta. Mesmo que você se esforce, recorde, tente voltar a página, refrescar o coração. Alguns sentimentos são bem pontuais: chegam, esperam pra ver se devem ficar e decidem partir ou continuar."


Tati Bernardi 

Sugar Town

Eu tenho alguns problemas, mas eles não vão durar
Eu vou deitar aqui na grama
E muito em breve todos os meus problemas vão passar
Porque eu estou em shoo-shoo Shoo, shoo-shoo shoo-
Shoo Shoo, shoo Shoo, shoo shoo- Sugar Town





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Meu caminho é meio perdido
Mas que perder seja o melhor destino
Agora não vou mais mudar
Minha procura por si só
Já era o que eu queria achar
Quando você chamar meu nome
Eu que também não sei onde estou
Pra mim que tudo era saudade
Agora seja lá o que for

E saiba que forte eu sei chegar
Mesmo se eu perder o rumo
E saiba que forte eu sei chegar
Se for preciso eu sumo



Ana Carolina

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É necessário o escuro, porque dele brota a luz.




(Caio Fernando Abreu in Triangulo das Águas)



Untitled | via Tumblr

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

The end has no end

    Eu senti sua falta. Eu sinto sua falta. Meus pais sentem sua falta. E eu sei disso quando eles perguntam se não tive nenhuma noticia sua nos últimos dias e sei mais uma vez pelo olhar que eles dão quando digo à seco ‘não’ e meu pai responde 'que pena, ele era um cara tão legal'. Meus cachorros também sentem sua falta, e os vizinhos que não te vêem mais batendo na porta e ficando parado ali esperando eu abrir, você e seus fones de ouvido tocando musica pesada. Até a minha cama manda dizer que sente sua falta. Do seu corpo e do seu cheirinho de banho misturado com alguma essência a mais e só sua. As paredes do meu quarto sentem a falta de te ver por aqui, de ouvir sua voz meio rouca, meio forte, meio alta, só sua. A varanda da minha cozinha nunca presenciou tantas brigas na história desta casa, mas manda dizer que sente sua falta, mesmo assim. De você fazendo cafés para mim ou me pegando no colo escondido enquanto minha mãe atendia o telefone na sala e assim você me roubava mil beijos, me apertava junto a ti. A varanda da minha cozinha nunca presenciou um amor tão gostoso na história desta casa. E a cozinha nunca viu gente mais atrapalhada que a gente lavando a louça e errando as letras de musicas enquanto cantadas. A cozinha também sente sua falta. 
    O carinha da cafeteria perguntou por você um dia desses. Me fez ficar cabisbaixa, é verdade. Aposto como ele lembra de você pagando a conta dos cafés e pedindo aquela Soda de maça verde que ninguém pede, só você pedia. Aposto que ele lembra de você se inclinando na mesa pra beijar minha mão e do quanto eu sorria escondido, feliz. O cara da cafeteria sente a sua falta também. 
    Sem contar do resto das pessoas da família, aquele meu tio que fala alto e careca, ele pergunta de você e sei que ele sente sua falta, ele nem precisa dizer, eu era mais sorridente quando você estava aqui. A mãe da minha amiga perguntou por você qualquer dia desses no supermercado e eu sei que ela sente a sua falta porque fez aquele olhar pra baixo e olhou para o meu lado como se ali, aquele vazio tão visível para todos, só pudesse ser completado por você. É, ela sente a sua falta em mim.
    E os lugares que estivermos eles sentirão a sua falta. E irão sentir, eu sei. 
    O meu corpo, pobre coitado, sente a sua falta. Das suas mãos grandes passando envolta de mim, me puxando, me elevando, me jogando no sofá da sala e brincando comigo como se eu fosse um cubo mágico de mil cores, das quais você manuseava tão bem. Meu corpo manda dizer que sente sua falta. Assim como meu sorriso já cansou de procurar o seu por ai, só para ele sorrir maior.
    Já faz um pequeno tempo que todos nós sentimos a sua falta. Todos nós e o meu universo paralelo ao seu, porque é isso que eu sou, um universo paralelo ao seu. E esse universo todos os dias se refaz mais uma vez, sentindo a sua falta. É difícil não sentir, é difícil disfarçar. Lembro e esqueço da sua barba, dos seus olhos, da sua maneira, de você e você mesmo e tudo mais que vinha no pacote, e te amo mais uma vez em um silêncio rarefeito que ninguém escuta mas todos sabem porque já esta estampado em mim. 
    E não mais do que uma vez e nem mais uma novidade I miss you, again and again and again. 




Annabel Laurino

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

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 " - Mas nós ainda estamos segurando as mãos um do outro, não estamos? Quer dizer, você sabe... nós ainda estamos...
   - Sim, nós estamos."


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

There Are

    Meus pés me levaram até lá. Foram eles, os traidores. O impulso vital do meu corpo entrou em comando assim que a minha retina ficou transbordando da sua imagem presente, viva. E eu fui. O que mais eu poderia fazer? Chega uma hora que o corpo cansa de lutar contra, que a gente cansa de lutar contra. De se reprimir.
    Não, você nunca vai saber que eu estive lá. Nunca vai ter ideia de que no instante que meus pés começaram a caminhar uma musica tocou nos meus fones e eu tive vontade de chorar ali mesmo, no meio da praça.
    Mas caso você venha saber, por intermédio qual eu nem imagino, você talvez não iria lembrar de onde, de quando aconteceu e como estivemos lá. Foi no tempo em que eu estava perdida e você também e eu soltei sua mão por segundos até que eu me perdesse em vão. Naquela praça, aquela perto do centro da cidade, mas não no centro onde se pegam os ônibus, só aquela pequenina praça em que há alguns bancos verdes e uma lancheria ao fundo. Aquela mesma em você me viu chegar perto e me tomou nos seus braços. A gente não era nada. A gente era tudo. Naquela época a gente era só a gente.
    Foi para lá que eu fui levada. Uma enxurrada de lembranças, cheiros, momentos, e de repente eu estava ali sentada num banco verde, no mesmo banco verde que nos sentamos daquela outra vez e olhamos um para o outro como se nos víssemos pela primeira vez. E foi um abraço bom aquele, como se tivessem se passado anos, mas ao mesmo tempo segundos, e nada tivesse mudado.
    Dessa vez você não estava lá. Ou talvez estivesse, em detalhes, ações que ficaram guardadas ali e que os ventos não conseguiram levar. Você estava na musica que eu ouvia, nas pessoas passando, na calçada despedaçada, nos passos apressados, nas mãos enlaçadas de casais estranhos e que nunca vi, nas janelas redondas daquele prédio antigo, nos arabescos do prédio velho onde fica o cinema, o cinema que frequentávamos.
    E fiquei ali até a musica acabar. Se eu ficasse mais talvez não iria querer ir embora. Sorri, eu sorri quando lembrei de tudo. Uma saudade no peito, uma vontade de te ver dobrando uma esquina e vindo na minha direção e me perguntar o que eu estava fazendo ali só para que eu pudesse responder que estava esperando por você, assim, só por acaso.
    Eu não sei em que tempo ficou perdido aquele momento. Eu não sei em que momento foi que o tempo nos roubos os sonhos. Tudo faz sentido agora, mas é um sentido meio batido, como se alguém no meio da noite, enquanto meu corpo letárgico e adormecido, tivesse me enfiado goela abaixo colheradas desse sentido medroso, cheio de pontos de interrogação que ninguém quer ver e todos passam reto. Não, eu não chorei por estar ali, eu não fiquei triste, eu só senti saudade, de você, de mim, de nós e de como tudo era bom embora sempre difícil. Mas nós conseguíamos tirar o maldito coelho da cartola, não é mesmo? De alguma forma a gente conseguia e então tudo ficava bem.
    Faz calor num inverno e o sol é de quase verão, mas tem um vento gelado que sobe a baía e eu lembro de uma frase que apesar de todos os versos, crônicas e histórias do Caio Fernando Abreu é a mais... a mais dolorida, entende? Eu lembro desta assim "se encontraram e se perderam para sempre".


 Annabel Laurino 
      coldheartx:

無標題 by Anna Hollow on Flickr.