quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

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"Só nos ensinam a ir atrás, vencer e persistir, essas coisas. Nunca dizem que, pontualmente, desistir pode ser uma atitude bem esperta."


Gabito Nunes

Play and Pause

   Carlos Drummond de Andrade escreveu certa vez: A vida necessita de pausas.
    Eu li essa frase em algum lugar há algum tempo, talvez no rodapé de uma página de jornal ou rabiscada em algum caderno meu, naquelas frases de propaganda de beleza ou quem sabe sublinhada em um livro qualquer. Não me recordo, e também pouca importância faz. 
    Lembro que de começo meus olhos só passaram pelas letras e tudo bem, é só uma frase. Mas depois de algumas horas, com a água do banho gotejando como o barulho de goteira na cabeça foi que eu realmente parei para entendê-la. Cai em uma contradição enorme, não fazia sentido. Como assim a vida precisa de pausas? Pausas? 
     Estamos constantemente vivendo, rodopiando sobre os trilhos de uma montanha russa durante as 24 horas de nossos dias até que finalmente descansamos, e não falo somente de quando dormimos, mas de quando morremos. É o único momento que tudo para, pelo menos acredita-se que para. É, digamos assim, o ponto subtendido, pendente, cujo ninguém sabe para onde realmente vai. O único stop de uma vida toda.
     Acordamos, trabalhamos, estudamos, nos apaixonamos, desapaixonamos, choramos, nos apaixonamos novamente, fazemos amigos, trabalhamos mais ainda, inovamos, caímos na fossa, na rotina, no comício, e casamos, temos filhos, compramos um cachorro, crise dos 50, menopausa, velhice, pele estranha, coisas assim e a vida corre. Corre em um sentido frenético muito mais além do que duas direções de ponteiros no relógio, a vida grita incessante e a gente acompanha na dança enlouquecida, sem parar, sem pensar, sem respirar, todo dia, todas as horas, segundos, minutos, nanosegundos até fadigarmos, até não termos mais nada além do cinza da correria, do desapercebido de emoções.
    Então aquela chuva superficial vinda do chuveiro ficou batendo na cuca por mais um tempo até que tudo isso parasse em alguma conclusão. A vida necessita de pausas. Eu ficava repetindo sem muito ainda compreender. Como se faz para pausar a vida? Como se pausa uma coisa não pausavel? Vida não é video o game com direito ao botão de play. 
    Me veio a mente aqueles namorados grudentos que passam horas juntos, como se fossem casados, ou as pessoas casadas que ficam afastadas porque já passaram horas grudadas até não se aguentarem mais, ou eu mesma de não aguentar nem a mim por viver constantemente ligada, sem me deixar respirar. 
    Escritores enfrentam problemas sérios de falta de criatividade, muitas vezes realmente não se tem, muitas vezes se tem mas sem que se consiga colocar para fora, tudo por não saberem respirar, refletir, pausar as ideias. Trabalhadores pegam ônibus todos os dias, enfrentam horas estressantes no trabalho, passam mais horas ainda para voltarem para casa, em meio ao trânsito, e irritados, explodindo e gotejando de impaciência chegam sem observar a família na mesa, a filha sentada no sofá ou a esposa esperando um beijo que há tanto já não vem. 
    Não refletem, não pausam, não pensam.
    É tudo para já, para o agora. Hoje. Tudo tem que ser hoje. Nada pode ser remedidamente adiado ou esperado, nem um segundinho que seja. Casais que se amam não podem se desgrudar e homens de negócios não conseguem desgrudar do trabalho em casa. Queremos tudo para o agora-imediatamente. E não pausamos a vida, não refletimos, não relaxamos. Não sentamos no sofá com um copo de refresco e pensamos em coisas boas. Logo, nos apegamos apenas ao frustrante dos dias. 
    E pensei em tudo isso, tudo ao mesmo tempo. A vida necessitando de pausas e eu nem sabendo que isso era possível. Foi como uma nova tecnologia no mercado, sei lá, computadores que falam ou casas com o comando de um controle remoto do tamanho de um anel. Foi novidade para mim. Foi novidade entender que tudo precisa daquela coisinha que a gente aprende lá no consultório médico com o doutor checando nossos batimentos cardíacos. 
    Respira fundo, inspira e solta. Isso, muito bem. Agora mais uma vez.




Annabel Laurino.
   


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