A bola branca girava de um lado a outro na quadra e raspava
o couro brilhante pelo sol no asfalto de cimento seco e áspero enquanto o
garoto chutava a bola. A menina amaciava seus cabelos dourados, enquanto sua
amiga estourava a bola de chiclete sobre os lábios carnudos e rosados. O som perpassava
as falas. Todos falavam juntos. Alguns corriam, outros comiam, outros
conversavam e jogavam. Em seus casulos de seus corpos quentes o estres do dia cálido dava uma pequena pausa. Era o ápice, a folga que todos ansiavam, os quinze
minutos perfeitos daquela tarde languida e causada.
Analisei os raios
do sol agitarem nas vidraças das janelas e depois as sombras dos corpos em
ação na quadra. Negras, se bem focadas eram até... Sinuosas.
Senti uma brisa
fresca cortejar meu rosto, minhas mãos abraçaram meu corpo e me debrucei sobre
a janela larga. Nada no mundo me faria mais feliz do que tê-lo por inteiro
naquele momento.
Lembranças de um
ano trás assaltaram minha memória como um ladrão assaltando uma casa de repente.
Me vi refém de mim mesmo. Rapidamente o intervalo calmo e tranqüilo tornou-se um tormento.
A brisa fresca e
macia acariciou-me por mais um tempo até cessar. Senti o cheiro do meu corpo
limpo e me deliciei lembrando do seu cheiro, sem querer, só por lembrar. Foi
como sucessivas atormentações á mim mesma.
Eu não queria, mas
fiz mesmo assim. Lembrei de tudo. Lembrei de você e de mim. Lembrei de nossas
brigas e dos momentos bons, lembrei das falhas e dos motivos, das negações e
das noites em que passávamos deitados ligados em se olhar, somente ouvindo um a
respiração do outro.
Não teve como
evitar. Você me arrombou. Adentrou dentro de mim e fez um estrago.
Naquele intervalo
eu já estava meio que perdida, sozinha estava na sala vazia debruçada sobre uma
janela larga admirando os outros corpos felizes, aqueles que por algum motivo
diferente do meu lidavam bem com o fato de curtirem o momento, de não terem que
afogar suas mágoas sozinhos em um canto ou até mesmo de sentirem a necessidade
de estarem sozinhos. Admirei o fato de todas aquelas pessoas se sentirem livres
enquanto estavam pressas em um prédio absurdamente irritante abarrotado de
normas.
Tudo que me veio na
cabeça foi que eu precisava sair dali, mas a preguiça exagerada e a falta de
imaginação me puseram a pensar, “para onde então?”. Eu não sabia. Mas sabia que
me serviria qualquer lugar.
Andando pela
avenida, pelo calçadão, olhando as lagoas cheias de história da praça ou
sentada em um banco lendo um livro. Qualquer lugar.
Se eu pudesse estar
com você e pudesse ver seus olhos nem que por um instante, se eu pudesse
retirar de mim essas questões incrivelmente necessárias e causadas pelo
encontro que tivemos no dia anterior e colocar tudo em prática, resolver e partir
sem mágoas, então eu poderia me sentir melhor... Seria como um... Intervalo,
uma forma de me intercalar de mim mesma, e sobrepujar emoções. Dar um tempo de
mim. Respirar. Entender.
Annabel Laurino.