sábado, 16 de junho de 2012

Repetitivos e Repentinos


    Passou a mão pelos cabelos. Gesto repetitivo ultimamente. Tomou um gole de café. Um vicio repetitivo ultimamente. Olhou, dispersa, através do vidro da janela do quarto. O peixe preto nadava notoriamente, de lado a outro, pelo aquário. As arvores, apáticas pelo frio repentino. Aliás, tudo parecia repentino naquela hora. Uma mistura de sentimentos que eclodiam dentro de si mesma, sem saber decifrá-los individualmente. Sentou-se no peitoril da janela e jogou as pernas para fora, os pés mal alcançando as telhas velhas da varanda abaixo. Contou, entediada, quantos pássaros voavam no céu, rumo a norte. Contou quatro. O mesmo número de dias que não se falavam mais. Incentivada pela contagem, contou mais algumas coisas. Quanto tempo fazia desde a primeira vez que o vira. Fácil. Tentou, inutilmente, contar todas as brigas, não conseguiu. Eram muitas.
    Não entendia ao certo por que tanto brigavam. Complexo? Eram tão diferentes? Tão iguais? Tão egoístas? Tão explosivos? Tão dramáticos? Não entendia. Fazia parecer que não podiam se suportar mais do que algumas horas sem que alguma coisa saísse voando pelos ares, estilhaçada em cacos.
    Perguntou-se, assim como todas as outras vezes, se nesta em especial, haveria como fazerem as pazes. Sorriu ao se perguntar isso, fazia parecer que ainda estava no jardim de infância e que acabara de puxar o cabelo da sua coleguinha ao lado, tendo logo que lhe pedir desculpas antes que ficasse sem sua merenda.
    Desta vez, sabia que não teria a merenda, recusava-se veementemente a reclinar-se e ceder. Não cederia. Já havia cedido tanto... Não regressaria a sua fase deprimente de quase um ano atrás. Aquele maldito tempo em que sua cabeça havia saído do lugar. Não se machucaria novamente. Estava decidida a deixar com que as coisas fluíssem, nem que para isso, ficasse sem sua merenda.
    Decaiu em lembranças fortíssimas, uma saudade, quase esqueceu de sua certeza, quase se esqueceu de tudo, quase pulou por cima do telefone, se jogando longe da janela, e discando os números freneticamente, sem pensar. Quase. Não o fez, não o faria. Sabia profundamente que o tempo havia passado, que a hora havia passado, que os dias haviam passado. Que algo dentro de si havia mudado. Não correria atrás, não se pronunciaria.
    Pegou a caneca de café no peitoril da janela e bebeu de dois longos goles. Sentiu o corpo quente, por dentro, apenas por dentro. Fechou os olhos, inspirada na injeção múltipla de cafeína, fechou os olhos.
    Gestos repetitivos.
    Sorriu.



Annabel Laurino.