domingo, 30 de outubro de 2011


"Foi muito lindo te ver pela 
primeira vez e pensar, sem 
palavras: eu quero.''














Caio Fernando Abreu

Choro


    E o choro não escorria por suas faces há dias. Simplesmente não saia, não brotava, ficou lá fechado durante horas esperando a hora certa de escapulir, mas nem quando mais doeu o corpo ou o coração ele saiu, foi no silêncio, na lembrança bruta da madrugada languida, do pensamento em saber que se foi, que não volta, que não tem mais jeito, que todo o tempo perdido já foi. E toda a luta, todos os gritos de vitória, todo os momentos insistidos, as esperanças guardadas, todo o esforço, as caminhadas pela manhã, as ligações, os abraços, as cartas, os beijos, as tardes de música, tudo, simplesmente jogado na mão do tempo e dito: “Toma, vai lá, joga em qualquer canto”.
    Não precisava ser assim, por isso talvez tenha doido tanto. Por que não dependia nem mesmo da sua dor, nem do seu choro, nem da vontade de arrancar seus próprios cabelos. Sentava na cadeira do quarto e escrevia sobre infinitos assuntos, mas nenhum assunto era tão desesperado quanto aquele que ficava guardado no fundo do peito. Como nenhuma dor fora tão desesperada assim. Como nenhuma vontade de chorar tão... Tão assim, do nada.
    Nada foi premeditado, logo ela que vivia de planos, lista de afazeres e futuro contado. É, estava cada vez mais certa de que o amor modifica. Destrói barreiras, mexe com a gente, sacode, grita e deixa a gente louco. Amor não é nada dessas coisas que poeta beat tenta passar, não é nada amor ever paz e gatinhos cor de rosa no meio da noite. Amor é coisa bem louca, machuca. Só serve pra deixar a gente magro e sem vida.
   Debruçada no vidro da janela admirava a chuva cair lá fora como uma criança se diverte em ver a avó mexer a massa do bolo na batedeira e colocar delicadamente sobre a forma untada e ajeitada. Deliciava-se no meio do choro ao mesmo tempo que via o tempo lá fora dançar com a sua dor, uma intimidade tangível, meio próxima e distante. 
    De uma coisa sabia, não poderia dizer que por alguma coisa não valera a pena. Pelo menos sabia que havia dado valor, havia lutado da forma mais bonita e honrosa que pode existir, sabia que havia sido entregue.
    Que coisa mais bonita, sorriu. Ser entregue. Ela sabia que tinha sido, tão disposta, tão apaixonada, fizera tudo que pudesse fazer.
    E chorou como quem chora aos soluços meio que pedindo “pare não suporto mais.” As idéias vinham na mente como balões recheados de tintas em neon explodindo no ar. Havia sido verdadeira, mas mesmo assim não fora verdade, apenas o fim.    
    Que desilusão, que pobre coração. Vasculhou os bolsos do casaco e simplesmente não encontrava nada, nem uma carta sua, nem um beijo, nem um te amo recebido e que envelhecido, talvez morto e no fundo do quarto estivesse coberto de pó e que nem mesmo assim, saberia dizer se pelo menos ele, havia sido de verdade.


Annabel Laurino.