terça-feira, 13 de março de 2012

Primitividade a flor da pele

    Não é que você precise de alguém. Não é que você queria que se importem com você, que te liguem, que te procurem, que queiram saber pelo menos se você está viva. Não é bem isso. Não é de atenção em si que se precisa. Por que no fundo você entende que, na verdade, não tem importancia mesmo que alguém esteja te ligando e te procurando porque, por experiência própria, você sabe que isso tudo não conta depois, quando te abandonam, quando as pessoas decidem por elas mesmas se mostrar quem são e colocar as cartas na mesa. E você já desacreditou das pessoas, a muito tempo.
    Mas embora isso, embora isso tudo, você bem que se sente um tanto sozinha, perdida entre aquela linha fina e solitária, esperando que o telefone toque ou que alguém bata na sua porta de surpresa trazendo uma caixa de bombom embaixo do braço e pedindo, com carinho, para ser sua companhia da tarde. Bem que você queria sentir o calorzinho de outro corpo embaixo do edredom em uma tarde chuvosa, ou ter uma mão para segurar no dia em que tudo vai mal que o choro simplesmente se desprende da garganta e você parece uma criança prestes a tomar uma injeção. É natural, todos precisamos de alguém. É primitivo, você pensa.
    Mas logo tanto faz. O telefone não toca, a campainha esta intacta, intocável. A caixa de e-mails somente cheia de anuncios e promoções de livros, uma unica caneca de café ainda pousa em cima da mesa, mais um capitulo escrito e mais uma vez, desiludida, cheia de si, você se fecha em sua cabaninha de idealizações e pensa: Não preciso mesmo de nada disso.

Annabel Laurino.
   

Rasteiros e dormentes

Existe sempre aqueles dias silenciosos, rasteiros, que nada é pronunciado, parece que tudo tira umas férias, e tudo dorme tranquilamente. Um tipo de injeção de dormência, para ver se ficamos quietos, por que até mesmo a loucura as vezes precisa se reinventar, descansar. Mas quem disse a você que esses dias são produzidos para dormirem para sempre? Não mesmo menino, esses dias dormem tranquilos mas despertam vorazes, com fome, engolindo a gente e mastigando devagarzinho depois.


Annabel Laurino.

La Ciderela


    Ela lambeu os lábios e o avistou bem de perto, o nariz quase que grudado na vitrine. Lindo, quanto mais se visto em uma vitrine na época de Natal. Sim, na promoção, liquidação, 80% de desconto, para levar, sem juros. Acessível. Ela havia namorado ele muitos dias, todos em que passava diante da vitrine e o via ali, exposto, tão caro e reluzente. Nunca pensara em comprar um calçado daqueles, por que não era assim confortável. E ela tão prática, finês e pomposa, do estilo as clássicas, vezes gastando no vermelho e no rock, gostava de algo mais sensual e ao mesmo tempo discreto, nada tão trabalhado, tão cheio de voluptuosas. Mas naquele dia em si, não resistiu. Claro, estava ali, era só passar a mão e levar, não tinha como resistir naquele momento. Ele todo pronto, ela toda querendo. Era para ser.
    Entrou na loja, e pediu com toda a pompa para que a vendedora o trouxesse, sentou-se na cadeira ao lado do espelho, ajeitou o cabelo, piscou os cílios repuxados, passou batom e cheirou o pulso, perfumado. Tudo bem, parecia até que esperava pelo o encontro da sua vida, e de certa forma era. “É agora, vou experimentar o bendito”, pensou. Nossa, queria tanto ele que sentia seu coração se apertar, queria mais do que muita coisa, era capaz até de sair correndo da loja com o par calçado nos pés. Não entendia por que raios de motivo havia esperado tanto tempo para decidir.
    Cinco minutos e a vendedora veio, saltitando em suas sapatilhas blasé, com a caixa dos sapatos no colo, sorrindo feliz.
    - Aqui – disse-lhe a vendedora. Estendeu a caixa redonda, de laço vermelho do qual puxou a ponta e abriu a caixa.
    - É lindo! – irradiou ela, tão cheia de perplexidade
    - É mesmo. – concordou de imediato a vendedora.
    - Bem, vamos provar!
    Sorridente e feliz, tirou suas sapatilhas confortáveis dos pés pequeninos e pegou o primeiro pé do par de sapatos que tanto queria. O toque foi explêndido, maravilhoso, melhor... melhor do que sorvete, melhor que cheiro de roupa limpa, melhor que tudo... Não, não para tanto. Mas era incrível.
   “Lá vamos nós.”, pensou.
    E calçou, logo, calçou o outro.
    [Silêncio]
    Oras, mas que estranho.
    -Então, ficou bom?
    - Ahã?
    - O sapato, ficou bom? Ah, caminhe, caminhe com ele e veja se é confortável.
    Obedeceu.
    [Mais silêncio]
    Sentou-se tonta na cadeira, meu Deus era trágico. A tragédia das tragédias. O calçado era horroroso, ridículo, feio, feinho. Grotesco. Cor de rato, era de um tecido ruim, daqueles que marcam no pé, e sabia que era grosseiro falar assim, mas era feio mesmo, muito feio. Ficara horroroso em seus lindos pesinhos pequenos. Era o efeito abóbora passada à mágica, só que acontecia com os sapatinhos, que não eram de cristais.
    - E então?
    - Não.
    - Não?
    - Não, não é para mim.
    - Não seja boba, é para qualquer uma, ficou lindo em você. Ele é lindo.
    - Não somos compatíveis.
    - Oras...?
    - É, nada a ver. Ele não combinaria com nenhuma roupa que eu tenho, e olhe para ele, não valoriza em nada com o meu pé. – tirou o calçado dos pés, os ombros caídos, parecia ter sido vencida pela 1° e 2° Guerra em massa.
     - Não diga isso, ficou realmente bom. Ele combina com tudo, veja bem, com calças sociais a vestidos clássicos, como esse que está usando.
     Olhou-se no espelho, ainda com um único pé do calçado.
     Não.
     Sabia que não fazia sentido, mas realmente não era bonito. Não nela.
    - Com licença, mas vai levar esse calçado? – perguntou uma moça esguia chegando-se de repente.
    - Não, pegue. – respondeu ela.
    A moça esguia sentou-se ao lado dela e calçou o bendito sapato.
    [silêncio]
    - Vou levar. – sentenciou apressada, antes que a vizinha ao seu lado mudasse de ideia e levasse o sapato.
    A vendedora saltitante pegou a moça e encaminhou-a até o caixa.
    Muito bem, foi melhor assim, pensou, agora não preciso mais me perguntar o que aconteceria se eu não o tivesse experimentado.
    Feliz, ajeitou os cabelos, juntou a bolsa, e aprumou-se para sair da loja. Quando no final do corredor, veja lá, um lindo par de sapatos salto agulha, pretos, divinos de lindos, em veludo, revestido de couro, magnífico.
    Não sei, não combina comigo...
    Mas não sabia explicar, queria mas não queria. E por fim, sabia, queria muito.
    Sussurrou uma voz: Experimenta.
    Outro dia...
    Experimenta.
    Tudo bem.


Annabel Laurino.