terça-feira, 13 de março de 2012

La Ciderela


    Ela lambeu os lábios e o avistou bem de perto, o nariz quase que grudado na vitrine. Lindo, quanto mais se visto em uma vitrine na época de Natal. Sim, na promoção, liquidação, 80% de desconto, para levar, sem juros. Acessível. Ela havia namorado ele muitos dias, todos em que passava diante da vitrine e o via ali, exposto, tão caro e reluzente. Nunca pensara em comprar um calçado daqueles, por que não era assim confortável. E ela tão prática, finês e pomposa, do estilo as clássicas, vezes gastando no vermelho e no rock, gostava de algo mais sensual e ao mesmo tempo discreto, nada tão trabalhado, tão cheio de voluptuosas. Mas naquele dia em si, não resistiu. Claro, estava ali, era só passar a mão e levar, não tinha como resistir naquele momento. Ele todo pronto, ela toda querendo. Era para ser.
    Entrou na loja, e pediu com toda a pompa para que a vendedora o trouxesse, sentou-se na cadeira ao lado do espelho, ajeitou o cabelo, piscou os cílios repuxados, passou batom e cheirou o pulso, perfumado. Tudo bem, parecia até que esperava pelo o encontro da sua vida, e de certa forma era. “É agora, vou experimentar o bendito”, pensou. Nossa, queria tanto ele que sentia seu coração se apertar, queria mais do que muita coisa, era capaz até de sair correndo da loja com o par calçado nos pés. Não entendia por que raios de motivo havia esperado tanto tempo para decidir.
    Cinco minutos e a vendedora veio, saltitando em suas sapatilhas blasé, com a caixa dos sapatos no colo, sorrindo feliz.
    - Aqui – disse-lhe a vendedora. Estendeu a caixa redonda, de laço vermelho do qual puxou a ponta e abriu a caixa.
    - É lindo! – irradiou ela, tão cheia de perplexidade
    - É mesmo. – concordou de imediato a vendedora.
    - Bem, vamos provar!
    Sorridente e feliz, tirou suas sapatilhas confortáveis dos pés pequeninos e pegou o primeiro pé do par de sapatos que tanto queria. O toque foi explêndido, maravilhoso, melhor... melhor do que sorvete, melhor que cheiro de roupa limpa, melhor que tudo... Não, não para tanto. Mas era incrível.
   “Lá vamos nós.”, pensou.
    E calçou, logo, calçou o outro.
    [Silêncio]
    Oras, mas que estranho.
    -Então, ficou bom?
    - Ahã?
    - O sapato, ficou bom? Ah, caminhe, caminhe com ele e veja se é confortável.
    Obedeceu.
    [Mais silêncio]
    Sentou-se tonta na cadeira, meu Deus era trágico. A tragédia das tragédias. O calçado era horroroso, ridículo, feio, feinho. Grotesco. Cor de rato, era de um tecido ruim, daqueles que marcam no pé, e sabia que era grosseiro falar assim, mas era feio mesmo, muito feio. Ficara horroroso em seus lindos pesinhos pequenos. Era o efeito abóbora passada à mágica, só que acontecia com os sapatinhos, que não eram de cristais.
    - E então?
    - Não.
    - Não?
    - Não, não é para mim.
    - Não seja boba, é para qualquer uma, ficou lindo em você. Ele é lindo.
    - Não somos compatíveis.
    - Oras...?
    - É, nada a ver. Ele não combinaria com nenhuma roupa que eu tenho, e olhe para ele, não valoriza em nada com o meu pé. – tirou o calçado dos pés, os ombros caídos, parecia ter sido vencida pela 1° e 2° Guerra em massa.
     - Não diga isso, ficou realmente bom. Ele combina com tudo, veja bem, com calças sociais a vestidos clássicos, como esse que está usando.
     Olhou-se no espelho, ainda com um único pé do calçado.
     Não.
     Sabia que não fazia sentido, mas realmente não era bonito. Não nela.
    - Com licença, mas vai levar esse calçado? – perguntou uma moça esguia chegando-se de repente.
    - Não, pegue. – respondeu ela.
    A moça esguia sentou-se ao lado dela e calçou o bendito sapato.
    [silêncio]
    - Vou levar. – sentenciou apressada, antes que a vizinha ao seu lado mudasse de ideia e levasse o sapato.
    A vendedora saltitante pegou a moça e encaminhou-a até o caixa.
    Muito bem, foi melhor assim, pensou, agora não preciso mais me perguntar o que aconteceria se eu não o tivesse experimentado.
    Feliz, ajeitou os cabelos, juntou a bolsa, e aprumou-se para sair da loja. Quando no final do corredor, veja lá, um lindo par de sapatos salto agulha, pretos, divinos de lindos, em veludo, revestido de couro, magnífico.
    Não sei, não combina comigo...
    Mas não sabia explicar, queria mas não queria. E por fim, sabia, queria muito.
    Sussurrou uma voz: Experimenta.
    Outro dia...
    Experimenta.
    Tudo bem.


Annabel Laurino. 


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