Ei Zé, tudo bem?
Quanto tempo que não nos falamos, ein amigo? Quanto tempo faz que não compro
papel de cartas e te escrevo algumas palavras meio doloridas desses dias
cotidianos demais para o meu gosto meio doce. Ultimamente o que me falta é luz,
luz que clareie forte nessa minha cabeça com pensamentos tão congestionados,
ando até meio fatigada, sempre quando acho que a coisa vai engrenar ela desanda
e acabou, já era.
Não to falando de
uma coisa especifica não, eu to falando no geral. Tem tanta coisa que eu achei
que ia dar certo e não deu, não teve jeito. E depois claro, eu nem fiz mais
questão que desse, mas sabe quando parece que vai dar?
De qualquer forma
eu não te escrevo essas palavras para elas serem lidas, te escrevo essas
palavras para elas serem desenhadas na sua memória, Zé. Porque se você apenas
ler, sentado no seu banco, em frente ao fogo, tomando seu copo de café e
esquentando os pés já envoltos nas suas meias
de lã velhas, eu sei que você vai esquecer. Que vai entender que tudo isso é apenas um
drama, nada mais. Mas não é drama, juro que não é. Dessa vez não.
Ontem acordei num
solavanco, achei que a casa tava caindo. Deitei na cama sem a intenção de
dormir e quando menos esperei eu estava num sonho daqueles mais loucos, mais
viajados. E quando acordei achei tudo estranho, sabe quando bate um reflexo de
sol na sua cara nas primeiras horas do dia e soca você com aquele ‘acorda,
acorda, acorda’ insistente? Então, foi isso. Acordei daquele sonho com um
reflexo de luz que me cegou, me deixou tonta, me deixou meio zonza e depois
clareou os cantos mais estranhos da minha mente, aqueles que eu não estava
conseguindo ver.
Se foi culpa do
sonho ou não, eu não sei Zé. Não sei dizer.
Fico chafurdando
dentro desse café amargo nesse exato instante e me sinto mergulhar nessa água
de mistura negra. Eu mergulho e depois volto. Zé, quando é que alguma coisa
nessa minha vida vai ser permanente?
As vezes, quando
não tenho nada para fazer eu me pergunto quando será que irá surgir o Ultimo
dos Moicanos a habitar nessas terras isoladas por onde me encontro e então,
decidir ficar. E sim, eu sei que tudo em mim é muito estranho, é muito caos, é
muito tudo. Eu sei. Sei também que a minha casa é muito Weasley demais, meio
torta, as vezes se tem a impressão de que realmente irá cair, que nada faz
sentido e tudo é caótico e turbulento. Culpa de saturno, meu caro. Não importa.
Quando é que alguém simplesmente irá ficar por aqui, se encantar por aqui, se
encaixar nas rachaduras das paredes e se interessar pela bagunça do meu
roupeiro?
As coisas de
dentro são muito mais importantes daquelas que estão de fora e eu me pergunto
onde estão essas coisas de dentro que às vezes nem eu mesmo enxergo. Alguém
pode enxergar para mim?
Ah Zé, se você soubesse, se você imaginasse...
Eu ando por essas ruas, eu vejo tanta gente, nada me interessa. É apenas em
meio aos livros onde me encontro, em meio aquelas palavras grafadas ali, há
tanto tempo, saídas de sabe-se onde e quando e porque. É no mundo de outrém por
onde vago, mas o que eu queria mesmo era habitar aqui onde fico sempre, embaixo
da soleira dessa janela velha e descascada, procurando poemas nos jornais
bolorentos de noticias feias e tentando encontrar a beleza em rostos cansados.
Te escrevo essa
carta Zé, para você saber que ando inclusive dormindo muito. Quase sempre que
posso e quando consigo. Durmo e depois acordo, e sonho quase sempre, quando
lembro. Mas o que eu queria mesmo é que alguém ficasse, que combinasse com as
paredes desse quarto, nesse clima. Não, eu não quero alguém, quero o alguém. E
você sabe Zé, as vezes eu sei, eu me convenço, eu devo estar cada vez mais só.
E é o que eu quero mesmo, estar cada vez mais só. Essa incapacidade de
encontrar alguém que nos entenda cansa tanto, da tanto trabalho que ficar só
como agora, te escrevendo essa carta, tomando meu café, olhando para meus
livros e contando os dias é muito melhor, é mais saudável, é mais aceitável.
Sabe, aceita-se, aceita-se os fatos.
O fato de não
saber lidar, de não corresponder, de não saber dividir ou ser. De não se fazer
entender se não por partes ou por cifras e códigos e entrelinhas. É tudo entre
pausas e não flui. E cansa. Se corre o risco.
Queria mesmo era estar em Paris. Ah, Paris! Como sonhei esses dias, exatamente como sonhei esses dias. Como em Paris é Uma Festa de Hemingway. Estar lá, respirar Paris, ir nos lugares e nas ruas mais escondidas, mais feias e mais bonitas, comer as comidas mais gordurosas e gostosas. Paris e seu point zero, ainda estarei lá. Que tal, Zé? Topa no próximo inverno? Eu e você, juntos com nossa Polaroid, podemos comer crepes de Nutella e dançar no Jardim das Tulherias.
Enquanto isso, enquanto não se pode ter tudo, nós vamos vivendo. Tapando os buracos, mastigando os vazios que nos faltam. E tudo bem.
Te escrevo, Zé. E abraços, com cheiro de jasmim.
Annabel Laurino