Já me desprendi de você como se desprende uma corrente da volta de um poste. Como se desprende qualquer coisa em que esteja presa. Desprendi-me por completo. Como, nem eu mesma sei dizer. Mas é tudo vagamente maravilhoso agora. Como acordar em uma manhã qualquer e sentir um pedacinho em mim, completamente vazio e limpo. Como se alguém durante á noite, enquanto eu dormia, estivesse entrado sorrateiramente com uma marcha de limpeza e tido colocado tudo para fora. Limpado tudo, das pequenas ás grandes feridas. E como havia entrado, sorrateiramente e caladamente, foi embora, assim que o dia raiou. E eu acordei. Limpa e sóbria. Como se você nunca estivesse tido por aqui. Como se sua imagem houvesse sido apenas uma figura mal colocada na minha tela de lembranças. Como se houvesse se passado mais de mil anos, pois já nem recordo mais de suas feições.
E já não lembro mais. Mas gosto de lembrar-te mesmo assim. Não á todo instante, não. Mas quando vejo algo bonito, algo que me recorde um sabor antigo. Ah sim, gosto de lembra-te como um sabor de um doce bom que não como dês de criança, por que já não fabricam mais.
Mas apenas recordo, delicio-me nas poucas lembranças e sorrio gentilmente, desejo-te nesse momento uma luz enorme e branca, uma paz, um amor. Desejo-te tudo em dobro do que desejo para mim mesma quando acordo todas as manhãs. E tão logo, calmamente e silenciosamente, sem ninguém perceber, eu volto a me reinventar.
Annabel Laurino.