terça-feira, 23 de julho de 2013
Misantropa
Juliana sentou-se no chão do quarto e se deixou chorar. Porque não tinha mais importância segurar o choro, conter a frustração indesejada latejando dentro do peito. Era preciso se deixar doer.
O chão estava recém limpo, assim como a cama tinha cheiro de aroma de algodão, borrifada cuidadosamente depois que havia posto seus lençóis ao sol. O ambiente tinha cheiro de alecrim, do incenso. Fotos penduradas num painel mostravam uma atenção ávida por pessoas, momentos, família. Mas no peito, lá dentro do peito, essa atenção dada em excesso lhe doía agora.
Juliana queria entender como o mal do mundo podia ser justamente as pessoas. Como se machucavam tanto entre si quando não se entendiam e o quanto se amavam quando se completavam alucinadamente. Sentia-se enganada, traída. Mas fora ela mesmo que se permitiu enganar. Sentiu-se como se tivesse assistido um comercial de televisão em que anunciassem um tal produto muito bom, que mudaria sua vida, colocaria metade de sua bagunça em ordem e, ludibriada pela propaganda, tivesse comprado o produto só para depois descobrir que era uma farsa. Uma mentira.
O plexo solar e seu violão não partilhando de mais nenhuma chance de compor uma nota se quer. As decepções transbordando. O quarto impecável, o coração, destroçado.
Sentiu vontade de chorar mais, e mais e mais e só mais um pouco talvez. Para esvaziar-se. Para preencher-se de um vazio que quem sabe viesse acompanhado de paz e uma solidão longínqua. Quem sabe. É por isso que fechava-se tanto. Juliana havia cansado. Cansado da espera insaciável de que as pessoas parariam de lhe doer. Por que não podia existir alguém no mundo que a cuidasse e a fizesse feliz sem lhe roubar os morangos que cresceriam no final? Será que nunca haveria uma forma de ficar tranquila?
E o medo persistiu durante horas. Se houvesse uma maneira de esquecer que a humanidade existia, de fugir, de não criar mais laços com ninguém. Ah sim, ah isso seria bom.
Encostou o corpo na cama. O quarto nem era grande, mas ali, sentada no chão, em meio ao frio infindável do dia, sentiu-se pequenina, tão pequena quanto a adorável Alice quando mordeu o macio biscoito que a diminuiu.
Alguém bateu na porta, uma, duas, três batidas e uma voz insistente para poder entrar. Mas agora não, pensou. Hoje não. Me deixe em paz, pediu no vácuo do escuro, mas era dia, o escuro estava era dentro. Do peito.
Me deixe só. Me deixe quieta, simplesmente me deixe, pediu em silêncio, como são feitos os desejos mais fortes e dolorosos, daqueles que Juliana não pronunciava em voz alta. E talvez não ousasse pronunciar nunca mais.
Annabel Laurino
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“I can’t go back to yesterday because I was a different person then.”
Lewis Carroll, Alice in Wonderland
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