domingo, 19 de janeiro de 2020

Coisa amarela



É a sensação de dirigir um carro. De dirigir pra lugar algum. Não há lugar pra ir. Está tudo fechado, está tudo aceso. A noite é escura e na minha pele arde o frio de uma neblina de possibilidades. Não querer ir pra casa. Não querer nunca parar o carro. Noite escura, eu te comi nesse breu imenso.
Escrevo pra te encontrar? E encontro. Verso ou outro eu te acho coberto pelas minhas palavras secretas. Te escondes muito bem, devo admitir. E devo acrescentar: Não há mais medo de te mostrar quem eu sou. Foram muitos os lugares percorridos pra estar aqui novamente. Te descobrindo nesse meu mundo-poiesis. Aguardaste-me? Não, tenho certeza de que não. Serei mesmo assim. Até que se descubram os dias.
Eram memórias que me faltavam. Não que eu não as tivesse aos montes. Mas precisava visita-las. Numa lenta jornada de minuciosidades. Para que a beleza se fizesse surgir. Nada irá voltar, mon amour. Mas há beleza nisso. Uma flor não renascerá, o que foi já foi e não voltará a ser.
Sorri numa sexta feira a noite quando me deparei com minha suculenta morta em sua xícara amarela. Será triste, sinto que murmurarei muitas vezes ainda a ausência daquele pequeno verde na minha sala. Mas assim foi seu tempo entres os constituintes pertences desse apartamento. Outras belezas virão.
Nada é insubstituível? Pondero sobre substituições uma vez que eu acredito que cada pequena poeira no imenso cosmos é única, especial. Não é possível substituir uma coisa existente em seu espaço-tempo-dimensão. Única, ela ocupa um lugar que não pode ser jamais ocupado novamente. Ainda que, possivelmente, eu coloque outra suculenta naquela xícara amarela.
Sei que faço versos com promessas de eternidade. Adianto: não há promessas. Eternidade há sim, ouso dizer. Um eterno de cor amarela, um momento único, assim como uma segunda feira jamais se repetirá nos nossos calendários que descartamos com raiva nos finais de ano. Te pergunto se tu já pensou nisso? Me dirás que já sabes disso tudo. Mas é que pra mim essa coisa se fez tão nova tão de repente que avanço sobre a vida querendo devorá-la. Sorver das entranhas da vida até encontrar o plasma.
Não te encontrarei no plasma. Nada está no plasma. Lá existem as coisas que não ousamos pronunciar. Sei disso porque quase estive lá. Iria forçar os seguimentos da vida com o fim da força vital. Estive lá, naquele lugar-fim. E como fênix, eu renasci. Fora das chamas, eu continuo. Enquanto a minha hora plasma não chega, percorrerei os rastros, os indícios de que me fiz presente nesse mundo em certos tempos, em certos espaços.
Vou lá encontrar-me. Deveria virar moda. Deveria virar hobby.
Não há nada. Tudo isso é nada. A menos, claro as coisas viventes, germinativas, coisas de coisas. Só há mesmo é nós. É eu. Clariciana, num encontro do eu com o eu. Assim, coisinha no espaço. Foi o que descobri quando fui me encontrar. Que sou tudo sendo nada. E foi uma verdade fascinante.
Morri, morremos. Voltei agora numa dessas aventuranças de repente. Escreverei porque tenho tantas coisas pra dizer! Num regozijo de vida, num alarido incessante, explodo em mil histórias. E não aches que eu me engano: permanecerei enquanto a minha alma tiver fôlego.


                                                                                                                       Annabel Laurino