sábado, 31 de março de 2012

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"Fazia muito tempo que eu não tinha vontade de sorrir para nada nem para ninguém, então era extraordinário que ele conseguisse perturbar assim os cantos de meus lábios."

Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 29 de março de 2012

Fechaduras nem sempre estão trancadas, veja as páginas, por exemplo...


    Ela sentia como se um vento fresco de camomila pairasse daquelas páginas finas. Letras sobressaiam-se daquelas páginas antigas, nas bordas coloridas, riachos profundos adornados de peixes de mortalhas de ouro, nas terras verdejantes, corsas peludas, com suas penugens douradas. As árvores continham frutos suculentos feitos de chocolate, mel, e café. Os cabelos mudavam de cor ao sol, como também o sol mudava de cor ao longo do dia. A luz era sempre a mesma, sempre a luz, porém, mudava de cor. Rosa, azul, vermelha. Tudo era possível quando se abria um livro.
    Para ela cada página saía-se como um lindo mundo. Embainhava sua espada dourada e erguia-a acima da cabeça, lutava contra leões durante o dia e a noite vestia suas vestimentas de uma cientista maluca, inventando experimentos seu laboratório equipado de alta tecnologia. De Sherlock Holmes a Romeu e Julieta, também viajava muito pelo espaço. Desdêmona, sua heroína traída e injustiçada, ou Alice, tão esperta e destemida. Que triste às vezes eram os fins. Sensível, gostava de romances loucos e vezes os mais adornados de aventuras, amores impossíveis e lugares bonitos, como viagens a Paris. O Point Zero. Por que não?
    Abria aquelas páginas, deitada na cama, numa tarde de outono muito fria, os dedos gelados roçando nas capas coloridas, os olhos gulosos como um gato observando um peixe no aquário. Duas órbitas brilhantes cor de mel vagando entre as frases pequeninas que faziam seu coração transbordar de curiosidade e vezes, de emoção. Não sabia explicar, e nem tentaria, era preciso sentir a mesma gula para poder entender.
    Se estivesse chovendo iria ser ainda melhor, pensou ávida, se deliciando enquanto encontrava em meio aos autores antigos um sentido manso para tudo que ela própria vivia no presente.
    Algumas noites frias, tapada até o pescoço, acendia a luminária ao seu lado e vestia suas melhores luvas quentes, os braços curtinhos para fora das montanhas de cobertas, abria um livro. E lia até o sol aparecer lá longe e os pássaros cantarem no quintal de casa. Vezes, em meio a fustigação nervosa dos dias, das tardes na escola, abria um livro, e se perdia, vezes era preciso beliscá-la para que ela soubesse que estava na hora de voltar aos deveres.
    Tudo isso acontecia quase sempre. Perdida entre suas montanhas de livros, guardada como um lenço branco na sua caixinha pequena, vislumbrava a paisagem do lado de fora de sua janela, um livro na mão, um lápis na outra, a caneca de café pousada na mesa, a esperando.
    Abria o livro.
    E a decolagem estava feita, seu cabelo já açoitava no vento. Vestida na sua melhor roupa da época que estava sendo lida, espreitava um lugar e sentava-se esperando o espetáculo começar, desligando-se de tudo.
    E cá entre nós, esses eram os melhores momentos, quando se esquecia de tudo. 



Annabel Laurino.



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"Estás dizendo que é teu, porque já estás dentro dele" 




Hamlet / Shakespeare

quarta-feira, 28 de março de 2012

Enfim se reencontraram.


    Ela, caminhando daquele jeito pomposo como uma coruja sábia, em uma manhã inesperadamente muito fria, o vento gélido e arrepiante subindo sobre as mangas do casaco jeans dela, encarapitado e malicioso ele lhe subia pelas orelhas e lhe beijava a face, mordiscava a ponta de seu nariz e deixava aquela pequenina marca avermelhada. Ela, que quando abriu a porta para sair a rua e encontrou seu velho amigo, mal pode acreditar. Era ele, seu velho irmão que lhe inspirava, lhe saudava, e que ela, como sempre, passara os dias ensolarados e quentes esperando.
    Até que enfim, até que enfim! Mal podia traduzir aquela sensação. O ar gélido lhe açoitando os cabelos, os passos apressados e curtinhos, as mãos como cubinhos de gelo. Meu Deus, pensou, como seria boa sentar na varanda de casa agora mesmo, a máquina de café ligada, uma caneca quente entre as mãos e abrir um livro. Opa, lembrou-se, foi isso mesmo que recém acabei de fazer...
    Descobriu-se feliz demais. Uma ligação no meio da rua fria lhe interrompeu os pensamentos e junto ao encontro de seu amigo estava a voz dele, do outro lado da linha, em algum lugar um tanto longe dela ele degustava do mesmo sentimento, dizia que sentia saudades dela, e ela sentia dele, claro. Acima de tudo, nada poderia ser mais perfeito. O outono enfim havia mesmo voltado. Seu velho amigo voltara. E ela tinha um amor quente no peito que pela primeira vez na vida, não batia voluntariamente.
    Em pensar que passamos uma vida inteira para descobrir o que é felicidade, sem saber que ela nasce em dias, dias como esses.

 Annabel Laurino.

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"Não transforma assim o mundo em um lugar mais fácil e melhor de se viver . Não me faz ser assim tão absurdamente feliz, só porque tenho certeza absoluta que nenhum segundo ao seu lado é por acaso . Mas admito que estou conhecendo (Num gerúndio de gostar sem fim), essa coisa maluca de gostar de verdade . Eu com minha TPM, meus livros e meu jeito meio-gato . Ele com seu ciúme camuflado, seus mil projetos e seu jeito de abraçar o mundo … Mas quer saber ? Eu olho pra ele e fico pensando sozinha : Será que alguém nesse mundo faria o que ele faz por mim ? Porque ele me escuta, me aguenta, me mima, me inspira, me faz sentir a mulher mais linda e especial do mundo ."


Fernanda Mello



segunda-feira, 26 de março de 2012

Euforia

 Gorda. Sua espaçosa. Chegou mansa passando seus bracinhos curtos e nervosos pelo meu corpo quente logo pelo inicio da manhã. Assim que abri as janelas do quarto, aquela chuvinha rasante se espalhando pelas telhas avermelhadas dos telhados vizinhos, o ar gélido, o céu cinza, as folhas das copas das arvores desbotando em um verde pálido, algumas secas, despencando no chão. Um grupo de pássaros rasgou no céu branco acinzentado. O gosto de café amargo estalou nos lábios e a lingua a procura sedenta rastejou na boca degustando do sabor. Ela já estava aqui assim que conclui o dia perfeito, ela sorriu para mim como uma irmã destrutiva e gentil, seus dentinhos pequenos e curtos esboçado na boca larga e risonha, de maças do rosto coradas até as - pobrezinha - suas roupas tão extravagantes e coloridas, um terror, imagine. Euforia disse: "Bom dia pequena, vim lhe saudar". Sua voz gentil pareceu.... Bem... Eufórica. Não pude resistir àqueles olhos tão grandes e vibrantes de tanta energia e gostei muito de como ela me fazia sentir. De como a Euforia, em um dia como esse, que para muitos é um péssimo dia, me deixou tão bem. Como se eu tivesse usado algum tipo de droga calmante, mas era apenas a Euforia. Sentada ao meu lado, ela me depositou um beijo no rosto, meu coração quentinho tal como o corpo recém desperto. Eu tive tantas certezas depois daquele beijo de Euforia que não sei nem como explicar. Acima de tudo, eu só consigo dizer, que tudo daqui para diante dará certo. Sim, dará certo. É só isso que consigo dizer.


Annabel Laurino. 
Você não precisa mais de chocolate. Agora, você tem um cidadão que te causa o mesmo efeito. Que te dá uma sensação boa pelo corpo inteiro. Que te dá energia e que te dá gosto. Que dá gosto de olhar, de tocar, de sentir, de beijar. Ele dirige bem seu corpo e, se sua vida fosse um filme, ele poderia ser o diretor. Ou o personagem principal. Ele escreve as coisas mais lindas que você já leu e, mesmo assim, ele consegue ler seus textos cheios de clichês. E ele é meio clichê do seu lado. Ele fala que te adora. Te chama de linda. Diz que te quer pra sempre. Mas enquanto o pra sempre não chega, você quer aproveitar cada segundo do lado dele. Você queria não ter hora pra ir embora. Você queria que ele não fosse embora. Você só queria rir com ele à noite inteira. E queria que a noite inteira não tivesse fim. Pra vocês falarem besteiras. Pra jogar conversa fora. Pra você falar das coisas fúteis sem parecer estúpida. A noite é sempre perfeita. Ri porque se diverte com ele. Ri porque ele consegue ser mais bobo que você. Ri porque não entende como pode ser tão gostoso estar do lado daquele cara que nada sabe sobre você e gosta da sua companhia mesmo assim. Está feliz de estar ali. E queria estar ali pra sempre. Você ri porque ele não é nada daquilo que você imaginou pra sua vida. Mas ele te convence, sem palavras, de que é o cara perfeito pra você. E faz com que tudo que você viveu antes dele pareça tão morno. Faz com que os outros caras que já passaram pela sua vida pareçam tão pouco. Ele admira seu sorriso. Diz que seu corpo é lindo. Adora seu cabelo. Suas pernas. Beija sua mão. Beija seu rosto com um carinho ingênuo. Ele te abraça e muda o ritmo da sua respiração. Porque, na verdade, ele mudou sua vida. Ele não fez nada pra isso, mas te faz a pessoa mais feliz do mundo. Quer ele te abraçando com aquela mão macia. Com aquele corpo quente. Aqueles olhinhos brilhando do seu lado. Aquele olhar que fala sem palavras. Aquele sorriso mais do que fofo. Aquele cara que chegou e te rendeu sem o mínimo esforço. Por quem você abandonaria todos os outros caras interessantes que te ligam sábado à noite. Deletaria do seu celular todos os números de telefone. Por quem você largaria todas as outras propostas. Arriscaria começar tudo de novo. Ele é o cara pra quem você olha e pensa: fica na minha vida pra sempre? 







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Crise produtiva, fabrica parada, produção esquecida, acordem maquinários!
   O final de semana acabou.
      Acorde. 


domingo, 25 de março de 2012

Os tais 5 minutos sagrados

    Normal sabe, esses momentos tão normais. Descansar a caneca de café sobre a mesa, descansar o pulso, descansar a mente, descansar as vistas, o coração. Descansar. Nem que seja cinco minutos. Os sagrados cinco minutos depois de um banho quente. Senta na beirada da cama, solta o disco, bebe café, - sim, antes de dormir - e repensa na vida como se folheasse as páginas de uma revista sobre paisagismo. Tudo bem, que clichê! Mas é, amigo, é assim mesmo. Os cinco minutos sagrados de todos aqueles que se preocupam com o tal dito Amanhã. 
    E o que farei, o que vestirei, o que comerei, o que beberei, o que... Amarei? Onde estarei daqui a... dois meses. Sim, por isso é sim e claro, obviamente, uma pergunta um tanto sã para quem à alguns dias atrás não era nada além de partícula solta no ar e logo alguém sendo lembrado pela vida e colocado em altos acontecimentos inesperados. 
    Me preocupo muito, de certa forma, em querer planejar sabe? Só quero um pouco mais de garantia. Quero ter amor de sobra nos bolsos, e uma viagem para bem longe, logo daqui a um ano. Por que um ano? Não sei, mas tem que ser um ano. Ano que vem. 
    Parece sempre que eu exijo que a vida mude, que ela traga coisas boas, que ela se reinvente, que não fique no marasmo pessimista e chato de sempre. E isso é errado? Não sei, não sei.
    Os 5 minutos sagrados chegam ao fim, penso em estar em algum outro segurando a mão dele, olhando para o Empire States e respirando fundo um aroma denso de cidade grande adentrando os poros da pele muito branca. Frio, folhas secas. Outono. 
    Sem perceber, os cinco minutos chegam ao fim e a realidade é como uma alavanca sendo puxada ringindo a seco.




Annabel Laurino.

sábado, 24 de março de 2012

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"Esse sim, esquenta as suas mãos e escuta os seus impropérios e gracinhas com o mesmo apego (...) Você sabe que seriam bons amigos, bons parceiros, bons inimigos, mas você prefere ser a garota dele."

Tati Bernardi


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"E no meio de tanta gente eu encontrei você...Entre tanta gente chata sem nenhuma graça, você veio. E eu que pensava que não ia me apaixonar nunca mais na vida." 

quinta-feira, 22 de março de 2012

Pássaro Feliz

    Porque minhas palavras são favas e ralas, como roupas esfarrapadas e muito rasgadas, não servem para definir o ponto atual. Engasga logo quando delineia no papel. Não dá, sai forçado, tudo muito clichê. Parece que só por que finalmente, agora, que estou vivendo esse algo mágico e real é que as palavras não funcionam, não me vem puras e nem cristalinas, assim como o esperado. Fico tentando parafrasear, criar algo no minimo adequado mas as palavras simplesmente ficam trancadas na metade da língua. 
    A euforia é tanta, o coraçãozinho tão pequeno querendo se alongar grande como um passarinho saltitante abrindo suas asas, alongando o corpinho encarapitado e empinando o pescoço para cima - para o céu - querendo cantar a mais linda musica que houver, logo agora que o sol sai de mansinho de trás das nuvens negras depois de um longo e nebuloso temporal.  
    Quero deixar claro, mas nada me parece um tanto claro agora. Não, não é confuso, parece tudo muito certo. Mas ainda não estou certa dessa certeza toda, como se eu tivesse ainda que observa-la por um caleidoscópio, e  você sabe bem como sou. Preciso saber com certeza, e com absoluta astucia do que se trata isso que chega manso e com dentes afiados e mãos quentinhas abrindo alas pelo caminho.
   No fundo eu bem sei do que eu quero falar, claro. Quero dizer que estou feliz, que vivo bem, que a vida aqui ta ótima, nunca pensei em ser tão feliz, plena, limpinha e serena. Tenho até medo dessa calmaria toda, dessa beleza toda. Mas acho que esse medo é natural... Fico contando as horas para o telefone tocar e ouvir a voz de timbre forte dele, de ter aquelas mãos fortes na minha cintura, abraçando-me, apertando as minhas costas, de ter aqueles olhos firmes e negros sobre os meus, e sentir o gosto perfeito de lábios doces e delicados. Quero ouvir ele, ter ele. Ele que me trouxe coisas boas, ele que - e só pode ser, não há mais nenhuma explicação - Deus colocou na minha vida. 
    Acho que como um pintor preciso ser mais sensível a isso tudo e um pouco menos Alice, preciso sentar-me sobre o banquinho do parque, respirar fundo e me dar um tempo - quanto tempo? Não sei - para digerir essa virada toda, esse tudo que me toma. Então levantarei-me como uma duquesa-de-vossa-serenidade-e-alteza-de-toda-classe e caminharei à passos lentos - porém felizes - e saberei exatamente como descrever tudo isso. Tenho certeza.



Annabel Laurino. 

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"Há alguns dias, Deus - ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus -, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro. Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer - eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom" 




Caio Fernando Abreu 

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O imprevisto acontece e alguém te encontra. E te reecontra. Te reinventa. Te reencanta. Te recomeça.


Gabito Nunes

quarta-feira, 21 de março de 2012

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Estou vivendo uma coisa muito boa. Aquela coisa que a gente suspeita que nunca vai acontecer. Aconteceu


(Caio F. Abreu) 



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"Que sejam doces os finais de tardes, inclusive os de segunda-feira, quando começa a contagem regressiva para o final de semana chegar. Que seja doce a espera pelas mensagens, ligações e recadinhos bonitinhos. Que seja (mais do que) doce a voz ao falar no telefone. Que seja doce o seu cheiro. Que seja doce o seu jeito, seus olhares, seu receio. Que seja doce o seu modo de andar, de sentir, de demonstrar afeto. Que sejam doce suas expressões faciais, até o levantar de sobrancelha. Que seja doce a leveza que eu sentirei ao seu lado. Que seja doce a ausência do meu medo. Que seja doce o seu abraço. Que seja doce o modo como você irá segurar na minha mão. Que seja doce. Que sejamos doce. E seremos, eu sei”



Caio Fernando Abreu


terça-feira, 20 de março de 2012

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Loucura é não arriscar. Perigo é não ceder.

Gabito Nunes

Dialogando.

- Só estou procurando o que é o melhor para mim.
- E como você pode ter certeza do que é o melhor para você?
- Bem, eu não sei. Mas quero que as coisas sejam exatamente do jeito como devem ser, como eu mereço, e eu mereço sabe? Então quero o melhor.
- E o que é o melhor?
- Puxa, mas você faz muitas perguntas!
- Desculpe...
- Tudo bem.
- ...
- Algum tempo atrás eu achava que o melhor para mim era você.
- Mesmo?
- Sim.
- E agora, não sou mais?
- Agora não. Descobri muitas coisas. Veja só, eu acreditava que sendo você o meu melhor eu era também o melhor para você. Agora percebo que me enganava.
- Você acredita mesmo nisso?
[fez-se silêncio]
- Sim, agora acredito. 


Annabel Laurino



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"Estou prestes a mergulhar. Dessa vez, não insistam, vou dispensar o equipamento de segurança."

Verônica H.


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"Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez."

Carlos Drummond de Andrade 

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Se tu vens às 4, desde às 3 eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às 4 horas, então, eu estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade.  




O Pequeno Príncipe 

Desejo do dia:


Café Mocha 


Abram alas, e regozijam seus corações

- Você precisa manter a calma.
- Calma? Como pode me falar de calma em uma hora como essa?
- E o que tem a hora agora?
- Bem, é tempo de me sentir ansiosa.
- Ah... Sim. Coisas boas estão acontecendo?
- Sim, você acredita nisso?
- Acredito. O outono está chegando.
- O que o outono tem a ver com as coisas boas que estão acontecendo comigo?
- Bem, no outono as coisas mágicas acontecem, é como se explodisse de algum lugar algum tipo de segredo, que somente os sortudos pudessem ouvir. Algum tipo de estação especial.
- Não sabia disso.
- É, são as coisas que ocorrem no outono, tudo pode acontecer.
- Acho que tem razão. Tudo pode acontecer.
- E não é?
 [silêncio]
 Tinham razão.

Annabel Laurino.

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Estremeceu mais uma vez, como se espiasse por baixo de um curativo, e fechou o caderno com força. Meu Deus, "a coisa ilusória".



[Um Dia - pág. 65] 

Surpreendendo-se

    Acho lindo isso de ir dormir com o coração limpinho. De encostar a cabeça no travesseiro cheirando a sol e fechar os olhos tranquila. Desliguei o telefone agora a pouco, falando com ele, me desprendi e me surpreendi como usava de uma naturalidade mansa para falar de alguém que não era eu, para instruir que ele deveria sim procurar ela, que ele dizia tanto amar. Não me senti ferida, triste, magoada ou até mesmo com ciumes. Me senti feliz, veja só. Pensei que esse dia nunca iria chegar, mas me senti tão inteirinha que se duvidasse estava até sentindo os mindinhos dos pés.
    Se alguém me contasse eu não iria acreditar. Mas é, verdade verdadeira. Meus olhos sorriam, prestei a atenção em cada virgula do drama e quando terminada a conversa o peito eclodia em uma canção mansa, sincera e bonita. Quando nos despedimos até desejei uma benção, uma boa sorte para ele. E antes de me deitar orei tranquila, agradeci por meu coração inteiro, por não sentir mais nada, nem um resto de fio de cabelos de sentimentos pressos ou escondidos. Como se eu tivesse passado uma temporada em uma clinica de recuperação. Estou novinha. Infelizmente não houve clinicas, o aprendizado foi à pauladas virulentas, mas valeu a pena.
    Valeu a pena.

Annabel Laurino.

Lie

   Desenrolam-se mentiras da ponta de sua língua úmida
   Você acha que não percebo
   Pensa que assim como outros
   Embebedo-me na tua fala confusa e embriagada
   Mas não, sóbria, sou atenta as tuas virgulas
   Tuas viralidades pontuais
   Não me esqueço nunca de quem és de verdade
   E já que te esqueces
   Das faces que me mostrasses um dia
   Eu finjo que acredito no que desenrolas para mim
   Sem vergonha, mentes, com naturalidade
   Acredita que fecho os olhos diante de suas mentiras
   Tão bobas, parecem ter sido tiradas
   De um livro de histórias ilustradas e infantis
   Aceno a cabeça
   Um sorriso nos lábios
   Você mente bem,
   Que pena é que eu não acredito em você.


Annabel Laurino.

segunda-feira, 19 de março de 2012

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"Sempre fui sentimental e nunca levei adiante relações em que não estivesse emocionalmente envolvida, e por mais que eu pareça ser durona, é apenas fachada. Só eu sei o quanto já sonhei em ser uma princesa resgatada da torre de um castelo."

Martha Medeiros


domingo, 18 de março de 2012

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"Gostei da luz, dos olhos dele. Gostei que estava me encantando, gostei de não poder me encantar e mesmo assim estar me encantando."



Tati Bernardi





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“Pela janela aberta, o silêncio do domingo impresso num céu sem cor. Na rua deserta de rumores: domingo. Abre um livro.”




Caio Fernando Abreu



Senhora vida, muitíssimo obrigada

    De repente meu amor você se encontra tal como Alice, entrando em uma toca inesperada, de um coelho maluco, adentrando em um país maravilhoso, cheio de mágicas e coisas surpreendentes que você não esperava, que estava longe de poder imaginar.
    Fica sentadinha agora, ruminando alegrias, mastigando sorrisos nos cantos dos lábios e suspirando alegre. Não tem nada melhor, eu juro. De repente a senhora vida parece que te deu um prêmio, Deus olhou para você menina, é isso. "Lembraram de mim", você pensa alegre, quase saltitando pelo quarto, como uma criança, o cabelo preso com um palito chinês em um coque formoso, os lábios rosados, as bochechas coradas.
    Oh agora preciso ir, que o coelho diz estar atrasado e a vida é assim, ruge.
    Segue-a, segue-a, vamos lá!


Annabel Laurino.

sábado, 17 de março de 2012

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   Talvez a coisa mais terrível de se escutar de alguém, ou não escutar, já que essas palavras podem muito bem serem pronunciadas no silêncio de um ato, ou da falta de um, simplesmente porque funcionam bem quando supostamente usa-as no esquecimento, no silêncio, na falta da procura. Terríveis e tenebrosas, eu mesma sugiro que seja-se forte para ouvir, pois é cruel, talvez as palavras mais cruéis que alguém pode dizer para outra pessoa. Quando pronunciadas, ou não pronunciadas, arrastam-se no silêncio de uma lacuna que fica no ar, pesadas e duras, não escorregam pelos ouvidos facilmente, são frias e amargas, tão difícil de engolir. Dita-as assim: Desisto de você. 


Annabel Laurino.

quarta-feira, 14 de março de 2012

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Você e eu temos memórias
Mais longas que
a estrada que se estica adiante



(The Beatles - Two Of US)



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"Temos tão pouco tempo para dizer as coisas que queremos. Temos tão pouco tempo para qualquer coisa."


Inquietos

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    "Enquanto escrevo esta carta a brisa do mar refresca a minha pele, esse mesmo mar logo será meu tumulo. Me dizem que morrerei como um herói, que a segurança e a honra do meu pais serão a recompensa pelo meu sacrifício, espero que estejam certos! 
    Meu único arrependimento na vida é nunca ter falado como me sinto. Eu queria estar em casa, eu queria estar segurando a sua mão. Queria estar dizendo que te amei, só você, desde menino… Mas não, agora vejo que a morte é fácil! É o amor que é difícil.  
    Quando meu avião mergulhar eu não verei a face dos meus inimigos, eu verei os teus olhos, como pedras negras congeladas na água da chuva.                                        
    Dizem para gritar Banzai quando mergulharmos no nosso alvo, só que eu vou sussurrar o seu nome. E na morte, assim como na vida, serei sempre seu."

(Inquietos)

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  "Existe um pássaro que acha que morre sempre que o sol se põe. De manhã ao acordar ele fica chocado de ainda estar vivo.. Então, canta uma canção linda.
   - Eu canto todas as manhãs desde que te conheci"

(Inquietos)

terça-feira, 13 de março de 2012

Primitividade a flor da pele

    Não é que você precise de alguém. Não é que você queria que se importem com você, que te liguem, que te procurem, que queiram saber pelo menos se você está viva. Não é bem isso. Não é de atenção em si que se precisa. Por que no fundo você entende que, na verdade, não tem importancia mesmo que alguém esteja te ligando e te procurando porque, por experiência própria, você sabe que isso tudo não conta depois, quando te abandonam, quando as pessoas decidem por elas mesmas se mostrar quem são e colocar as cartas na mesa. E você já desacreditou das pessoas, a muito tempo.
    Mas embora isso, embora isso tudo, você bem que se sente um tanto sozinha, perdida entre aquela linha fina e solitária, esperando que o telefone toque ou que alguém bata na sua porta de surpresa trazendo uma caixa de bombom embaixo do braço e pedindo, com carinho, para ser sua companhia da tarde. Bem que você queria sentir o calorzinho de outro corpo embaixo do edredom em uma tarde chuvosa, ou ter uma mão para segurar no dia em que tudo vai mal que o choro simplesmente se desprende da garganta e você parece uma criança prestes a tomar uma injeção. É natural, todos precisamos de alguém. É primitivo, você pensa.
    Mas logo tanto faz. O telefone não toca, a campainha esta intacta, intocável. A caixa de e-mails somente cheia de anuncios e promoções de livros, uma unica caneca de café ainda pousa em cima da mesa, mais um capitulo escrito e mais uma vez, desiludida, cheia de si, você se fecha em sua cabaninha de idealizações e pensa: Não preciso mesmo de nada disso.

Annabel Laurino.
   

Rasteiros e dormentes

Existe sempre aqueles dias silenciosos, rasteiros, que nada é pronunciado, parece que tudo tira umas férias, e tudo dorme tranquilamente. Um tipo de injeção de dormência, para ver se ficamos quietos, por que até mesmo a loucura as vezes precisa se reinventar, descansar. Mas quem disse a você que esses dias são produzidos para dormirem para sempre? Não mesmo menino, esses dias dormem tranquilos mas despertam vorazes, com fome, engolindo a gente e mastigando devagarzinho depois.


Annabel Laurino.

La Ciderela


    Ela lambeu os lábios e o avistou bem de perto, o nariz quase que grudado na vitrine. Lindo, quanto mais se visto em uma vitrine na época de Natal. Sim, na promoção, liquidação, 80% de desconto, para levar, sem juros. Acessível. Ela havia namorado ele muitos dias, todos em que passava diante da vitrine e o via ali, exposto, tão caro e reluzente. Nunca pensara em comprar um calçado daqueles, por que não era assim confortável. E ela tão prática, finês e pomposa, do estilo as clássicas, vezes gastando no vermelho e no rock, gostava de algo mais sensual e ao mesmo tempo discreto, nada tão trabalhado, tão cheio de voluptuosas. Mas naquele dia em si, não resistiu. Claro, estava ali, era só passar a mão e levar, não tinha como resistir naquele momento. Ele todo pronto, ela toda querendo. Era para ser.
    Entrou na loja, e pediu com toda a pompa para que a vendedora o trouxesse, sentou-se na cadeira ao lado do espelho, ajeitou o cabelo, piscou os cílios repuxados, passou batom e cheirou o pulso, perfumado. Tudo bem, parecia até que esperava pelo o encontro da sua vida, e de certa forma era. “É agora, vou experimentar o bendito”, pensou. Nossa, queria tanto ele que sentia seu coração se apertar, queria mais do que muita coisa, era capaz até de sair correndo da loja com o par calçado nos pés. Não entendia por que raios de motivo havia esperado tanto tempo para decidir.
    Cinco minutos e a vendedora veio, saltitando em suas sapatilhas blasé, com a caixa dos sapatos no colo, sorrindo feliz.
    - Aqui – disse-lhe a vendedora. Estendeu a caixa redonda, de laço vermelho do qual puxou a ponta e abriu a caixa.
    - É lindo! – irradiou ela, tão cheia de perplexidade
    - É mesmo. – concordou de imediato a vendedora.
    - Bem, vamos provar!
    Sorridente e feliz, tirou suas sapatilhas confortáveis dos pés pequeninos e pegou o primeiro pé do par de sapatos que tanto queria. O toque foi explêndido, maravilhoso, melhor... melhor do que sorvete, melhor que cheiro de roupa limpa, melhor que tudo... Não, não para tanto. Mas era incrível.
   “Lá vamos nós.”, pensou.
    E calçou, logo, calçou o outro.
    [Silêncio]
    Oras, mas que estranho.
    -Então, ficou bom?
    - Ahã?
    - O sapato, ficou bom? Ah, caminhe, caminhe com ele e veja se é confortável.
    Obedeceu.
    [Mais silêncio]
    Sentou-se tonta na cadeira, meu Deus era trágico. A tragédia das tragédias. O calçado era horroroso, ridículo, feio, feinho. Grotesco. Cor de rato, era de um tecido ruim, daqueles que marcam no pé, e sabia que era grosseiro falar assim, mas era feio mesmo, muito feio. Ficara horroroso em seus lindos pesinhos pequenos. Era o efeito abóbora passada à mágica, só que acontecia com os sapatinhos, que não eram de cristais.
    - E então?
    - Não.
    - Não?
    - Não, não é para mim.
    - Não seja boba, é para qualquer uma, ficou lindo em você. Ele é lindo.
    - Não somos compatíveis.
    - Oras...?
    - É, nada a ver. Ele não combinaria com nenhuma roupa que eu tenho, e olhe para ele, não valoriza em nada com o meu pé. – tirou o calçado dos pés, os ombros caídos, parecia ter sido vencida pela 1° e 2° Guerra em massa.
     - Não diga isso, ficou realmente bom. Ele combina com tudo, veja bem, com calças sociais a vestidos clássicos, como esse que está usando.
     Olhou-se no espelho, ainda com um único pé do calçado.
     Não.
     Sabia que não fazia sentido, mas realmente não era bonito. Não nela.
    - Com licença, mas vai levar esse calçado? – perguntou uma moça esguia chegando-se de repente.
    - Não, pegue. – respondeu ela.
    A moça esguia sentou-se ao lado dela e calçou o bendito sapato.
    [silêncio]
    - Vou levar. – sentenciou apressada, antes que a vizinha ao seu lado mudasse de ideia e levasse o sapato.
    A vendedora saltitante pegou a moça e encaminhou-a até o caixa.
    Muito bem, foi melhor assim, pensou, agora não preciso mais me perguntar o que aconteceria se eu não o tivesse experimentado.
    Feliz, ajeitou os cabelos, juntou a bolsa, e aprumou-se para sair da loja. Quando no final do corredor, veja lá, um lindo par de sapatos salto agulha, pretos, divinos de lindos, em veludo, revestido de couro, magnífico.
    Não sei, não combina comigo...
    Mas não sabia explicar, queria mas não queria. E por fim, sabia, queria muito.
    Sussurrou uma voz: Experimenta.
    Outro dia...
    Experimenta.
    Tudo bem.


Annabel Laurino. 


segunda-feira, 12 de março de 2012

Cruel de Cruela

    Se você me encontrar caminhando sozinha pelas ruas da cidade, onze horas da noite, perambulando entre os postes e gritando amor como se o mundo estivesse acabando, não se assuste.
    Eis que se sente agora algo estranho que paira e sobrepaira como se tivesse recém nascido dentro de mim. Um sentimento que nunca esteve aqui, desconhecido por minhas pequeninas células escandalosas. Ele - o sentimento - gostou do meu corpo, alojou-se dentre esse vaso corporal adornado de cafeina e gostou. Gostou das paredes enfeitadas de fotos antigas, retratos felizes, gostou dos bilhares de livros arrumados nas prateleiras, do cheiro de folhas velhas, páginas impressas, dos meus escritos, gostou da cama arrumada e cheirando a macadâmia, adorou as roupas organizadas no roupeiro, das minhas poesias, do cheiro de helianto entrando pela janela aberta. Esse sentimento me amou, me adotou. Não consigo resistir ao seu encanto tão doce, me parece certo. O que posso fazer?
    Como uma criança olhando suplicante para sua mãe quando quando se encontram em um Pet Shop, e dão de cara com aquela criatura fofa e macia, de olhos amanteigados, pedindo atenção:, atráz de uma gaiola, completamente, aparente, indefeso. "Podemos ficar com ele?", a criança pergunta.
    Dai vem todas aquelas responsabilidades de sempre. Oras, custará muito, tempo, dedicação, carinho, abrir mão de algumas coisas, dinheiro gasto, você terá que organizar a casa, separar um espaço para ele morar e se alojar confortável, terá que cuidar dele todo os dias e levá-lo para passear, e terá de ser paciente acima de tudo, por que ele destruirá muitas coisas, talvez até mesmo aqueles sapatos mais caros e que você tanto ama. E depois todas aquelas idas ao mercado, veja bem, comprando sustento. Sim, por que ele pedira para que cada vez mais você o alimente. E logo ele ira crescer, sim, e ficará gigante, isso vai doer tanto, e olhe só, ele morrerá um dia. Sim, eles sempre morrem.
    Não, não podemos.
    Expurgo esse sentimento com maldade mesmo. Olho para a pilha de revistas em cima da mesa, todas marcadas com marca-textos para todos os lugares que eu desejo ir, olho para a pilha de sonhos nas prateleiras, olho para tudo planejado, pelas viagens por fazer, por tudo. Não, não da. Pego a criança, puxo-a da mão bruscamente, tapo os ouvidos diante de seu choro histérico e saio correndo, a puxando sem dó. Ou melhor, puxando a mim mesma, criança, pequena, iludida e frágil, apenas desejando um pouquinho de amor, um pouquinho de carinho, desejando pegar o celular em cima da mesa e te chamar aqui, dizer para você bem claro, como nunca disse, "Sou sua, me tome, me pegue, me cuide. Eu aceito. Vamos esquecer os antes, eu esqueço tudo, tudo bem, não me importo com seus defeitos, mas me carregue, me puxe."
    Mas não, eu sou a má adulta, a Cruel, amarrei a criança pequena na cadeira do quarto, amordacei sua boca, dei-lhe remédio para dormir por mais ou menos, quase sempre. Logo, fiquei aqui sentada, respirando pesadamente diante dos utensílios utilizados na cena do crime. Fico pensando o quanto tudo seria fácil e bom, e maravilhoso, se quem sabe, só quem sabe, se eu admitisse esse sentimento, se eu o deixasse entrar...  Não nem pensar, olhe os sonhos, olhe tudo pela frente, não da...


Annabel Laurino.



...


Mesmo assim, bem no fundo, há coisas que são só minhas. E embora me assustem às vezes, é delas que mais gosto. Como essa vontade de acabar com tudo, que me dá de vez em quando.”
Caio Fernando Abreu

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“Não leve a mal alguma dureza dita. É porque te quero claro.”
Caio Fernando Abreu

nublo

Será que é ser muito deprê pedir que pelo menos um dia, uma vez nesse verão que já não suporto mais, nasça um dia cinza? É, um dia daqueles que chove devagarzinho, úmido, o céu cinza, quase branco. Sabe, acordar de manhã cedinho, a chuva gotejando na calha seca, eu ligaria a máquina de café, serviria uma xícara e com felicidade saberia que pelo menos um dia, alguma coisa e outra, nesse terrível verão, faria sentido. Seria wonderful. De verdade.


Annabel Laurino

domingo, 11 de março de 2012

Embalando-se em um balanço pintado de mar


    Quero tirar uma fotografia, agora, nesse exato instante. Mas não tenho em mãos uma câmera fotográfica.
    Por um lado é até bom. Pois assim não me sinto culpada por não poder elucidar para você os sons. Sim, não se pode fazer isso através de uma fotografia, não é mesmo?
    Vezes ou outra, lhe confesso, não ouço nada. Mais ou menos no momento em que a onda pequenina e gelada toca gentilmente os meus pés, e cobre os meus dedos, minhas unhas pintadas de laranja.
    Fico parada aqui numa sede imensurável de compreender como tudo isso veio parar aqui. Mas esse sentimento é o mesmo de se estar apaixonado. Achar tudo incrivelmente mágico porém sem poder entender qualquer detalhe do que se está sendo sentido, por menor que seja.
    A areia úmida gruda na pele morna que se arrepia com o beijo do vento, o mesmo que embala e sacode o mar. A espuma densa veste sua grinalda branca. As bolhas formigam e explodem no ar. A ponta da caneta risca no papel em um arranhar nervoso e trabalhado, o sussurro das ondas, cantando ao pé do ouvido. As crianças brincam e o cachorros correm. Os músculos se movem no encalço do sol.
    Uma paz de espírito se apossou de mim.
    “Deus é muito lindo”, repito sem parar até que se possa entender nem que seja um bocado desse sentimento tão abstrato.
     Os pigmentos esverdeados do mar reluzem todos juntos, e penso que estranho quando uma gotícula sozinha, margeando em minha pele translúcida, perde sua cor, solitária. Olho para o céu, cinza arroxeado, pelo final de tarde, brilhando feliz. Um navio com suas luzes acessas navega lá longe. Arrasto os olhos pelo horizonte sem fim e sinto uma alegria, um formigamento no peito. Eu vejo Deus sorrir para mim.




Annabel Laurino