segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Um novo dia.

   Era uma manhã normal. Umas daquelas manhãs em que você já acorda sem frio pela chegada da breve partida do mais puro inverno á mais bela entrada da nova estação de primavera. Era uma manhã comum. Uma daquelas em que agente acorda com tanto sono que se mal acorda e já se quer voltar a dormir. Mas, por mais vontade de me virar ao lado e dormir novamente eu não podia, já havia dormido de mais e deveria levantar-me e começar os meus afazeres matinais. Levantei-me então, calcei minhas pantufas velhas e desbotadas e desci os andares da escada. Passei pela sala e pela varanda, cheguei na cozinha e pus uma caneca de água a ferver. Fui até o banheiro atendi minhas necessidades e então voltei na cozinha, tirei água da chaleira e despejei-a fervente na minha velha caneca. Logo despejei na caneca quatro colheres pequenas de café forte e umas gotas de adoçante. Conduzi meu corpo ainda dormente até a sala e sentei-me no sofá vazio e gelado. 
  Enquanto bebericava o forte e quente café, me incitei ao perceber que toda a casa era silenciosa. O mais silêncio profundo que se pode ouvir. Não havia som nem dentro e nem fora da casa. Na verdade, o único som de fora era os pássaros que já cantavam no alto das arvores no jardim. As fracas luzes do sol me cortejavam bom dia enquanto entravam celestiais e límpidas pela janela da sala.
  Estranhei a calmaria e a vastidão silenciosa, estranhei a pouca luz e por eu ser a única pessoa da casa acordada. Olhei no relógio pendurado na parede e lá marcavam seis e meia da manhã. O que eu fazia acordada á essa hora? Fui até a porta e lá estava o jornal do dia que havia sido posto na noite passada, olhei a data e era um domingo. E eu, estava acordada as seis e meia de uma manhã de domingo.
  Não podia ser, fiquei confusa e consternada de uma avalanche de espanto. Eu não havia percebido os dias passarem. Contava que ainda fosse um mero dia de semana, mais um, um daqueles em que eu acordaria e começaria meus afazeres de ir para academia, voltar, arrumar a casa, tomar banho e etc. e etc.. Mesmo assim eu nunca me levantava as seis horas em dia qualquer, por que justo agora? Caminhei até o banheiro e me pus debruço por sobre a pia de mármore olhei-me vagarosamente no espelho pendido á minha frente. A figura que refletia do reflexo do espelho me cumprimentava com um vinculo por sobre a testa de duvida e espanto. Que mal educada, pensei. Ao menos um sorriso lhe faria bem.
  A figura era eu mesma, alguém que por si não conhecia mais. Cabelos longos e finos pendiam sobre o ombro, de tom castanho e fios claros alourados, olhos amadeirados cortejados de pinceladas de um mel claro, lábios tênues, levemente cheios e vinculados nos cantos. Oras, nem se quer lembrava-me de minhas feições. Nem se quer parava para ver-me e observar-me. Não digo isto por uma forma obsessiva de vaidade e amor por si próprio. Mas, por que se eu mesma não me perceber como vou querer que me percebam? Foi esta pergunta que me fiz e me fez abruptamente cair por sobre a escada emocional em que me perdurava.
Respire, lembrei-me.
  Caminhei novamente até o sofá e sentei-me. Era estranho estar sozinha em um mais puro silêncio, onde até o som do meu arfar pulsante era percebido.
Cenas me dedilharam a mente. Passara as últimas semanas como um mero eu, vazio e sem sentido. Acordando e cumprindo minhas tarefas do dia a dia sem se quer lembrar-se de mim mesma. As lágrimas eram torrenciais margeando por sobre minha face sem sentido.
  De repente senti o medo junto a mim, vinha a minha direção cumprimentando-me com seu sorriso zombeteiro e farsante, a duvida também estava ao seu lado, seu olhos caídos e cheios de amargura me davam um belo bom dia. Os dois convidaram-se á sentar ao meu lado, mas os recusei. Não queria suas péssimas companhias. Preferia ter de ficar só. Mas, o medo disse-me sarcasticamente que não era possível ficar só, eu seria obrigada a ficar com um ou com o outro.
  Já havia provado dos dois, sabia que o medo era o pior, era maldoso e sem coração, afligia meus melhores dias e minhas melhores noites de sono. A duvida em melhores vezes até me respondia algumas perguntas inquestionáveis, porém. Decidi ficar com a velha duvida. E esta prontamente feliz tratou de fazer seu trabalho. Abriu sua maleta velha e surrada e tirou dali uma bela caixa, escrita lembranças em sua tampa, a duvida no seu melhor jeito de amargura e lentidão entregou-me a caixa. Abri-lhe e vi coisas que me desagradavam. Não era bom ver as coisas recentes em que me aconteciam, não era de muito ruim, era somente chatas e vazias. Vasculhei e vasculhei, mas nada interessava-me saber havia ali. Porém, em um momento abrupto achei uma lembrança que me chamou a atenção como um ponto de exclamação tingido em neon. Era apenas eu, quando era pequena, sentada no capim verdejante cheirando ao mais puro cheiro de terra de jardim da casa de verão em que passava no veraneio, rodeada de minhas bonecas, vestindo o meu mais lindo vestido verde de manguinhas curtas estilo bonequinha. Eu brincava só, mas ria feliz, meus avós estavam sentados ao longe me vendo brincar e riam também. Como era fácil, pensei. Não havia nada em que me preocupar, apenas ficar brincando de me divertir. A duvida me repreendeu, não era isso que ela queria me mostrar, ela queria que eu visse outra coisa nesta vaga lembrança. 
  Eu podia até ser jovem, pequena e indefesa. Não sabia nada do que podia acontecer pela frente e nem se quer tinha idéia dos caminhos que eu iria passar. Eu sou como aquela pequena criança brincando de bonecas, ainda não faço idéia das coisas que me aguardam. Quando eu era apenas aquela garotinha e não fazia idéia de nada do que iria passar e viver até chegar onde eu cheguei, eu apenas vivia o presente, juntava o desagradável com a aprendizagem e vivia feliz. Não foi nada fácil, mas também nada difícil.
  Por que eu não fazia isso então? Por que era tão difícil viver o presente e deixar as duvidas de lado, as magoas e a ansiedade?  Nesse momento a duvida sorriu, levantou-se do sofá e fez um gesto de adeus para mim, e rompeu pela porta sua breve partida, ela havia completado seu trabalho. Respondeu minha duvida me deixando ainda mais com duvidas.
  Fiquei ali no sofá, e pensei, não preciso de duvidas e nem do medo. Na verdade eu não preciso mais pensar sobre o que ficou para trás. Não importa o quanto eu me machuquei, o quanto me feri e o quanto chorei. Eu ainda possuía forças para prosseguir eu ainda veria um mais belo dia nascer sem hora pra morrer. Mas, não era ainda a hora, a hora era de somente viver e saber lidar com o medo do fim do dia, o medo de nunca mais vê-lo, nunca mais tê-lo. Ele já partiu, pensei. Ele, o medo, e as duvidas. Agora sou só eu.

  E foi naquela estranha manhã sem sentido que eu entendi o mais maravilhoso desfeche das minhas magoas e consternações. Um lindo dia sempre amanhece, um sol sempre surge, não é sem importância que ele nos acorda e pela bela arte de nos deixar fazer sorrir. E eu enfim, me deixei sorrir. Levantei-me do sofá sequei as lágrimas já vazias e sem sentido e subi as escadas, rompi em meu quarto e cai sobre a minha cama quente e macia como uma pluma feliz e segura em seu pouso atenuado e grácil.

                                                


                                                    Annabel Laurino