Vasculhando um espaço dentre a tampa do pote de água que preenche
lívido o vasto novo dia que amanhece sozinho, preguiçosamente deleitando-se na
janela do meu quarto. Atirando-se sobre as almofadas de corpos vazios como
vasos cheios de teias de aranha, poeira negra, crosta suja. Cansaço profundo.
Falta. Sinto uma falta e não sei bem do que. Alguém me diz?
São quatro da
manhã. Quem disse que trabalho de escritor é mole, esta enganado. Meu amigo, é doloroso. Depois que você se entrega para essa
vida, parece que não pode mais sair. Não tem como ir dormir, não da. As idéias
ficam titubeando na mente como uma goteira num canto sorrateiro da casa. E de
pingo em pingo vai incomodando a gente. Então eu levanto, tomo aquele café,
prendo o cabelo, e vou sangrando os dedos nas margens de linhas dolorosas que
vão esculpindo uma vida muito longe de ser a minha. Pinto um cenário, invento,
uso a mente, choro junto, sorrio, acho graça e depois parece que um vácuo vai
me sugando aos poucos. E quando acaba? Quando acaba rastejo até a cama e me
jogo.
Sinto falta de um
braço quente envolto do meu corpo pequeno, acariciando minhas dobras, moldando
gentil nas minhas curvas. Sinto falta de alguém sentado a minha frente,
completo e total disposto a ouvir e entender todas as minhas idéias mais
insanas. Mas, vou te contar que ta difícil ein. Parece que essa corrida contra
a dor não tem fim. A saudade de coisas não para nunca. Lembro de pessoas que de
certo nem lembram mais de mim. E é duro, sabe? Da uma vontade de voltar no
tempo, de forma que se fosse possível eu até me jogava dentro de uma janela
mágica, recém programa para dois anos atrás. Pronto. Eu estaria plena e lívida.
Mas, pensando bem, talvez não. Eu gosto muito do que eu sou agora. Só não gosto
muito de como eu fui ficar tão só. Daquele tipo de solidão que é por
minha livre escolha. Eu escolhi essa solidão. Eu sei que vivo melhor assim. Me
conheço também. Sei o quão destrutiva eu acabo sendo quando tenho alguém.
Vezequando é bom
beijar na boca de um desconhecido, bonito, nunca vi, nem ouvi falar, dou meu
número de telefone errado, digo até logo e vou embora. Não me leve a mal, não sou promiscua. Porém, não sei, tem um cimento
aqui dentro. Acho que me dediquei a uma vida que não é minha por tempo de mais.
Acho que agora a realidade é um véu que eu só enxergo por trás deste. Enquanto
todas as pessoas não, enxergam apenas o que vem.
Tudo bem, faz
parte. Um dia a gente se acostuma.
Annabel Laurino.