quinta-feira, 1 de março de 2012

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  Se eu largar sua mão que você sobreviva são, que você viva bem, leve, feliz. Que quando eu soltar sua mão você se desprenda vivo como um fio de luz que se sobressai sozinho do globo central e viaja pela atmosfera encontrando outros fiozinhos. Que você não sinta falta, que você saiba sempre porque soltei sua mão. Sem dor, sem mas, sem arrependimentos. Sem choros, sem velas, sem nada mais do que saber, eu soltei sua mão.


Annabel Laurino.

We're just two lost souls, swimming in a fish bowl, year after year

 Se você fechar os olhos por um instante, colocar uma musica ou quem sabe, se você for daquele tipo um tanto mais sentimental você queira ouvir o próprio som da chuva e do vento que lá de longe vem arrastando os pingos de chuva, os debatendo contra o vidro frio do quarto. Quem sabe. Mas também não faz muita diferença o que ao certo você vai estar ouvindo, vamos direto ao assunto, por que em geral o importante é que você não se preocupe mesmo com o que ouve mas sim com o que sente. Vamos voltar para a parte em que se fecha os olhos... Sim, feche os olhos e silenciosamente imagine a imagem daquela pessoa, pense nela, mas não como algo impossível ou como uma possibilidade até mesmo, pense nela real, lembre-se do cheiro, do gosto, do riso, dos olhos, do brilho dos cabelos, dos gestos, lembre-se de tudo como se fosse não uma forma imaginativa em sua cabeça mas real e pura. Lembre-se de um momento. Ah sim, você já não se lembra? Então lembre-se de cheiros, sei que nessa parte tudo pode parecer um tanto doido, mas tente. Sim, quadro velho, madeira puída e envelhecida, sol de inverno, garotos gritando no pátio por uma partida de futebol, o sol entra e jorra em seu rosto, a porta esta trancada, e ele vem em sua direção como um leão pequeno, manso, como se suas patas fossem feitas de luvas brancas e delicadas, sem produzirem som. No rosto um sorriso nervoso, o cabelo despenteado e fora do lugar, porém bonito, do jeito que você gosta, você se lembra. E há também as cortinas velhas azuis estranhas, há uma atmosfera densa e tensa, e você se lembra de que tudo passa quando vocês se beijam, como se não fosse mais um beijo, mas sim algo muito mais intimo do que isso, 'só um beijo'. Como se fosse uma espécie de aliança, uma ligação formosa.
    Ah sim, você consegue mesmo se lembrar de tudo. De volta ao presente, a musica toca viva e nítida nos ouvidos embalada pelo som da chuva numa manhã de quinta-feira.
    I wish you were here.
    É claro que sim, claro que deseja.


Annabel Laurino.

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Mas o que houve — o tropeço, o solavanco, o esbarrão, a tosse no meio da área lírica —, o que houve foi um pensamento impiedoso e exatamente assim: não faço parte disso.
Não uma dúvida, mas uma certeza. Absoluta.
Sem inveja nem mágoa, revolta ou vontade furiosa de que pudesse ser de outra forma. Secamente, definitivamente, eu não fazia parte daquilo. (…) Por razões que não sei explicar; e nem precisariam tentar ser explicadas porque eram e, pior, continuam sendo completamente indiscutíveis. Eu não fazia parte, e pronto. 

(Caio Fernando Abreu)

it's a beautiful day, raining day

É o pingo que pica na poça
que explode no ar
É o pingo que pinga no caminho
do bico do sapato 
ao canto do tijolinho
É o pingo que pinga
na cabeça careca
na tinta avermelhada
dentro do olho vizinho
É o pingo de chuva
que pinga não mais sozinho
e que caiem os pingos
todos molhadinhos
 Vão pigando sem parar
encharcando tudo
pingando aos pouquinhos
vezes bravos, vezes devagarzinho
Vão costurando a água no ar


Annabel Laurino.