domingo, 26 de novembro de 2017

pequena e planetária




 Deitar num peito duro. No mesmo que antes era macio. Tinha cheiro de pão recém saído do forno, café passado com a cafeteira fazendo chhhhhh, o vaporzinho subindo em rodinhas até o teto, fazia carinho na barriga como só sobremesa de vó faz. Agora o rosto não encaixa. Fecho os olhos de bolotas sonhadoras pra não deixar as lágrimas escaparem. 
Pequena e planetária.
Aprendi a bordar. Por enquanto é pouca coisa. Ponto atrás e ponto haste. Vou furando com a agulha o algodão, ponto por ponto e no final, tudo o que toma forma é um coração. Pouca coisa ainda. Agora já sei pintar com linhas.
Bordo como bordo palavras. Não, não. Au contraire, mon Cher. Au contraire. Bordo palavras como faço bordado. Vou indo com a agulha em riste. Matizes dissonantes e linhas coloridas geram formas. Desenhos.
A gata e eu. Queria poder amar todo mundo como amo a gata. Deitada por cima da mesa, o corpo se estica todo, as patinhas se estendem com o rabo junto, ondulante. Vai empurrando o porta-canetas com a ponta das patinhas, na esperança de derrubar no chão e ver tudo cair. Eu sorrio, ela me espia com os olhos grandões. Oi gata. Eu, gente. Ela, gato. A vida que segue.
A noite ouço um ronronar por cima das cobertas. Tempo depois uma bola de pelos e bigodes se forma por cima da minha barriga, assim, quentinha. E juntas ficamos nos precisando, sem precisar. 
Quase nem chove mais. Mas ontem choveu. Chovia pingo e pingo que caia na minha cabeça confusa e bagunçada. Não teve mão pra pegar a minha quando o pé tocou primeiro no asfalto molhado. Os carros faziam zum e zum na rodovia. Sem chuva não seria mais um nó da nossa história.
Pequena e planetária.
Essa que aqui vos fala escreve com os dedos furados de agulha. As linhas enrolaram-se nos dedos, linhas cor de mar, cheias de saudade. Ponto e fim. Ponto que desenlaça num nó e mergulha de volta pro tecido com uma linha exagerada que parece que não vai arrebentar.
Mas
Quando vê
Arrebenta.





Annabel Laurino 


nitrogen:
“ By Laurence
”