Deitar
num peito duro. No mesmo que antes era macio. Tinha cheiro de pão recém saído
do forno, café passado com a cafeteira fazendo chhhhhh, o vaporzinho subindo em
rodinhas até o teto, fazia carinho na barriga como só sobremesa de vó faz.
Agora o rosto não encaixa. Fecho os olhos de bolotas sonhadoras pra não deixar
as lágrimas escaparem.
Pequena
e planetária.
Aprendi
a bordar. Por enquanto é pouca coisa. Ponto atrás e ponto haste. Vou furando
com a agulha o algodão, ponto por ponto e no final, tudo o que toma forma é um
coração. Pouca coisa ainda. Agora já sei pintar com linhas.
Bordo
como bordo palavras. Não, não. Au contraire, mon Cher. Au
contraire. Bordo
palavras como faço bordado. Vou indo com a agulha em riste. Matizes dissonantes
e linhas coloridas geram formas. Desenhos.
A
gata e eu. Queria poder amar todo mundo como amo a gata. Deitada por cima da
mesa, o corpo se estica todo, as patinhas se estendem com o rabo junto,
ondulante. Vai empurrando o porta-canetas com a ponta das patinhas, na
esperança de derrubar no chão e ver tudo cair. Eu sorrio, ela me espia com os
olhos grandões. Oi gata. Eu, gente. Ela,
gato. A vida que segue.
A
noite ouço um ronronar por cima das cobertas. Tempo depois uma bola de pelos e
bigodes se forma por cima da minha barriga, assim, quentinha. E juntas ficamos
nos precisando, sem precisar.
Quase
nem chove mais. Mas ontem choveu. Chovia pingo e pingo que caia na minha cabeça
confusa e bagunçada. Não teve mão pra pegar a minha quando o pé tocou primeiro
no asfalto molhado. Os carros faziam zum e zum na rodovia. Sem chuva não seria
mais um nó da nossa história.
Pequena
e planetária.
Essa
que aqui vos fala escreve com os dedos furados de agulha. As linhas
enrolaram-se nos dedos, linhas cor de mar, cheias de saudade. Ponto e fim.
Ponto que desenlaça num nó e mergulha de volta pro tecido com uma linha
exagerada que parece que não vai arrebentar.
Mas
Quando
vê
Arrebenta.
Annabel Laurino
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