quinta-feira, 1 de agosto de 2013

There Are

    Meus pés me levaram até lá. Foram eles, os traidores. O impulso vital do meu corpo entrou em comando assim que a minha retina ficou transbordando da sua imagem presente, viva. E eu fui. O que mais eu poderia fazer? Chega uma hora que o corpo cansa de lutar contra, que a gente cansa de lutar contra. De se reprimir.
    Não, você nunca vai saber que eu estive lá. Nunca vai ter ideia de que no instante que meus pés começaram a caminhar uma musica tocou nos meus fones e eu tive vontade de chorar ali mesmo, no meio da praça.
    Mas caso você venha saber, por intermédio qual eu nem imagino, você talvez não iria lembrar de onde, de quando aconteceu e como estivemos lá. Foi no tempo em que eu estava perdida e você também e eu soltei sua mão por segundos até que eu me perdesse em vão. Naquela praça, aquela perto do centro da cidade, mas não no centro onde se pegam os ônibus, só aquela pequenina praça em que há alguns bancos verdes e uma lancheria ao fundo. Aquela mesma em você me viu chegar perto e me tomou nos seus braços. A gente não era nada. A gente era tudo. Naquela época a gente era só a gente.
    Foi para lá que eu fui levada. Uma enxurrada de lembranças, cheiros, momentos, e de repente eu estava ali sentada num banco verde, no mesmo banco verde que nos sentamos daquela outra vez e olhamos um para o outro como se nos víssemos pela primeira vez. E foi um abraço bom aquele, como se tivessem se passado anos, mas ao mesmo tempo segundos, e nada tivesse mudado.
    Dessa vez você não estava lá. Ou talvez estivesse, em detalhes, ações que ficaram guardadas ali e que os ventos não conseguiram levar. Você estava na musica que eu ouvia, nas pessoas passando, na calçada despedaçada, nos passos apressados, nas mãos enlaçadas de casais estranhos e que nunca vi, nas janelas redondas daquele prédio antigo, nos arabescos do prédio velho onde fica o cinema, o cinema que frequentávamos.
    E fiquei ali até a musica acabar. Se eu ficasse mais talvez não iria querer ir embora. Sorri, eu sorri quando lembrei de tudo. Uma saudade no peito, uma vontade de te ver dobrando uma esquina e vindo na minha direção e me perguntar o que eu estava fazendo ali só para que eu pudesse responder que estava esperando por você, assim, só por acaso.
    Eu não sei em que tempo ficou perdido aquele momento. Eu não sei em que momento foi que o tempo nos roubos os sonhos. Tudo faz sentido agora, mas é um sentido meio batido, como se alguém no meio da noite, enquanto meu corpo letárgico e adormecido, tivesse me enfiado goela abaixo colheradas desse sentido medroso, cheio de pontos de interrogação que ninguém quer ver e todos passam reto. Não, eu não chorei por estar ali, eu não fiquei triste, eu só senti saudade, de você, de mim, de nós e de como tudo era bom embora sempre difícil. Mas nós conseguíamos tirar o maldito coelho da cartola, não é mesmo? De alguma forma a gente conseguia e então tudo ficava bem.
    Faz calor num inverno e o sol é de quase verão, mas tem um vento gelado que sobe a baía e eu lembro de uma frase que apesar de todos os versos, crônicas e histórias do Caio Fernando Abreu é a mais... a mais dolorida, entende? Eu lembro desta assim "se encontraram e se perderam para sempre".


 Annabel Laurino 
      coldheartx:

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