terça-feira, 16 de outubro de 2012

Flash back of Wine

    Bebeu de um gole do vinho, era doce e o cheiro era horroroso. Ao contrário das pessoas ultramodernas, não sabia que safra seria aquela, se o vinho era tinto ou suave, havia uma gravura de belos vinhedos da Itália na garrafa verde fosca, isso bastava para qualquer informação. Afinal o vendedor do posto dissera que vendia bastante. E agora para seu espanto as pessoas além de chatas gostavam de beber vinho ruim.
    Quem a olhasse naquele momento acreditaria sim que era do tipo de pessoa ultramoderna, sentada na cadeira de frente para a escrivaninha, a taça de vinho do lado enquanto checava os e-mails com os cabelos presos em um coque bagunçado e os óculos caindo delicadamente pela ponte fina do nariz. Era o tipo de pessoa de aparências. Completamente centrada. Profundamente descontrolada. 

    Pegou o telefone e apertou uma tecla qualquer, nenhuma mensagem ou ligação, a não ser os recados impertinentes que o chefe havia deixado na caixa de voz. Dane-se o mundo, pensou amarga, tomando mais um gole da bebida fedorenta. 
    Abriu a janela e acendeu um incenso de jasmim. Era quarta-feira, quartas tendiam a ser dias muito ansiosos, a espera do feriadão e final de semana, a espera pelo descanso que qualquer pessoa precisa. Mas ela não queria descanso nenhum, seus finais de semana ultimamente vinham a ser muito mais tediosos do que qualquer segunda feira podia prometer a ser, muita chuva, muito choro acompanhado de filmes dramáticos e antigos com um pote de sorvete ao colo. 
    Não era o tipo de pessoa que se ocupada de seu oficio com leitura. Na sua cabeça, livros eram necessários para entrar na onda do “todo mundo ta lendo”, nada mais. Cansativo, out, old, nem pensar. 
    Passou a mão pelas bochechas descarnadas e sentiu um dó de si mesma que não cabia dentro de si, teve vontade de gritar. Teve vontade de estar na rua naquele exato momento, com o carro empenhado no transito da Paulista só pra poder gritar com um ordinário barbeiro qualquer. Nesses momentos a infelicidade de se estar no lugar errado e não ter com quem gritar é deprimente. 
    Passou a mão no telefone e não pensou. Não iria mais pensar em nada.
    Trabalhava num escritório de direito em um prédio movimentado. Passava horas do seu dia trancada numa sala assinando papéis e falando palavras difíceis com gente que as vezes não entendia metade. Os quatro anos e meio da faculdade faziam-na se arrepender nos dias em que o sol aglutinava nas vidraças do prédio e não tinha para onde correr. Por isso se liberou a uma loucura qualquer, uma locurinha tola de meia tigela, quem iria perceber?
    Digitou o número gravado na memória mais até mesmo que a senha do cartão de crédito. Atendeu depois de três chamadas, a voz ruída e um pouco bamboleante.
    - Alô?
    - Oi. Sou eu. – parecia tímida e a voz tremida como a de uma criança com medo de entrar em um quarto escuro. 

    - Ah ! Você! Como vai, ta tudo bem?
    - É... To sim, e você?
    - To bem também. Faz tempos que não nos falamos, desde o que? A festa na casa do Mário?
    - É... 

    A conversa emergia para o ponto de repouso depois do ápice de um reencontro casual. E agora? Fazia o que? Era partir para o ataque ou deixar a conversar morrer em uma desculpa clichê para saber se o brinco da avó não ficou na casa dele, por acaso, simplesmente. 
    - Estou surpreso de você me ligar, não nos falamos há tanto tempo.
    - Senti saudades. – mordeu o lábio com força empurrando a vergonha para dentro com mais um gole de vinho fétido.
    - Uau. – pareceu nervoso, se não o conhecesse tão bem não saberia que estaria nesse exato momento passando a mão pela nuca e soltando um sorriso enviesado.
    - Faço mal em te ligar essa hora?
    - Não... N... Mal nenhum. Foi bom você ligar, pensei em você ontem, achei um filme que vimos juntos passando na televisão e lembrei do ensopado de carne que inventamos de fazer mas saiu tudo errado. Lembra?
    - Saiu tudo errado naquela noite... – se permitiu uma risada lembrando-se do acidente com as panelas.
    - Gosto de ouvir seu riso, é tão bom.
    - ...
    - Por que você parou de atender minhas ligações? Foi tudo tão rápido...
    - Exatamente, achei que tudo entre a gente estava indo tudo muito rápido.
    - Sempre com medo do que é bom.
    - Eu sei.
    - To indo ai.
    - O que?
    - Você não me ligou só pra dizer olá, não é mesmo? Então que tal a gente pular as entrelinhas, eu to sozinho, você também, somos dois adultos tal como manda o procedimento, e chego ai em cinco minutos, levo um vinho.
    - Ah... Vinho não, tudo menos vinho. – olhou a garrafa em cima da mesa, abominando-a.
    - Prometo levar um vinho gostoso, sei que você tem um péssimo gosto para vinhos. – ele riu, uma risada divertida.
    - Você me conhece.
    - Mais do que deveria.
    - Mais do que eu queria.
    - Pelo menos você irá beber um vinho decente.
    - E talvez mais que isso... – sorriu olhando seu reflexo no vidro da janela.
    - Estou chegando.
    - Estou te esperado.
    Foi até o banheiro e borrifou perfume nos pulsos, soltou os cabelos que despencaram em uma cascata ondulada, tirou os óculos e passou seu batom rosa, depois colocou os óculos novamente. Com um cara como ele as aparências do que não era eram postas de lado. Com um cara como ele, ela sabia que podia ter muito mais do que uma quarta feira prometia, e quem sabe, todos os dias da semana. Todos que viessem.




Annabel laurino
   
    

;

"É ele. Reaparecendo. Abocanhando as bordas. Vem se espalhando por frestas. Rejuntando brechas. Unhando fendas e poros. Derrama-se por minhas lacunas. Exibido, como fogos de artifício. Assovia sem escorregar nas notas. Cantando sua vontade nas entrelinhas. Quer voltar a ser meu tema."

...


;

"Mas o que é que você quer, menina? - perguntou-me já exausto de tanta teimosia. Eu o encarei no fundo dos olhos e fui sincera: Quero colo."


Caio Fernando Abreu

it's time to change


Coisas para serem feitas:

1 – mudar.
2 – mudar.
3 – mudar.
4 – mudar.
5 – mudar um pouco mais; mudanças, muitas, mude.





    Nunca fui de escrever diretamente, e sim sempre categoricamente, entre as entrelinhas dos meus textos, os poucos que acompanham sabem, eu nunca falo a verdade logo de cara, prefiro ferve-la em requintes mais bonitos e depois prepará-la com calma, umas pitadas de sabor aqui e acolá, sem pressa, então voilá tem-se o resultado final, porém nunca direto.
    Mas hoje a cabeça não ta boa amigo e ultimamente escrever é doloroso, tempos difíceis esses. Já percebeu o quanto as pessoas reclamam de incompreensão? Acho isso muito injusto, mas é meu lado incompreensível e logo de cara, o meu lado que julga. No fundo somos todos iguais, sensíveis, carentes, tristes, incompreendidos e mortalmente só.
    Legal quem tem alguém de verdade pra segurar da mão e que fique do seu lado a vida toda e diga que te ama muito mesmo que você esteja uma merda, de cabelo desarrumado e roupa amassada sem nenhum tostão nos bolsos. Mas a vida rege verdades incoerentes e estranhas.
    Eu quero muita coisa, mas nunca quis amor de mais ou dinheiro de mais, eu nunca nem se quer parei para acreditar em contos de fadas. Ta, tudo bem, quando eu tinha uns cinco anos eu acreditava sim que os sete anões podiam ser reais e que eles viriam arrumar meu quarto e guardar os brinquedos do chão. Mas sempre foi só isso, eu nunca me liguei em príncipes encantados e sapatinhos de cristal. Agora então, muito menos. E não é insensibilidade não, é a minha realidade que transborda quase sempre.
    Ou eu sou louca ou somos todos normais de mais, mas tenho querido as coisas mais fáceis do mundo. Eu tenho querido dois na cama e pés roçando, canecas de café na mesa, chuva lá fora, corpos nus, risadas na praia numa tardinha de pouco sol, sorvete derretido na roupa, abraço apertado, dança maluca, jogos de vídeo game, travesseiros quentes e roupa atirada no chão, surpresas no domingo, beijo na mão, despedida lenta, olhos sonolentos e mãos bobas embaixo da mesa.
    Eu não tenho idealizado nada do que eu não tenha certeza que mereça. Essas cenas todas são para justificar o quanto sou mortalmente romântica, humana e carente, como todos nós somos. Ao contrário da maioria eu não acredito em perfeição. Ao contrário do feminismo eu quero sim alguém que me cuide e me beije sem que eu tenha que pedir.
    Mas é verdade, eu tenho mesmo passado por um momento de transitoriedade. Talvez eu ande desacreditada demais da vida e as pessoas só me pesam. Eu fico pensando em ir embora e deixar tudo como está até que tudo entre em um estado de decomposição cujo nunca mais regressará ao que era antes, mas da um dó ver o castelo de cartas caindo lento depois de tantas horas para edificar as torres.
    E me apego fácil a sorrisos, jeitos, manias, loucuras, imperfeições físicas e mentais, adoro uma boca mordida e uma barba por fazer, coisas bobas, levinhas, uma mordida na orelha e eu te dizendo que te amo muito.
    Mas essas coisas ficam na memória e não no tempo. Não se repetem mais.
    Me vejo agora numa ânsia por mudanças, ser tudo aquilo que a gente sonha com a cabeça no travesseiro não serve mais, desculpa, já era. Está na hora de fazer os planos entrarem em obra, você não acha? Eu acho. Está na hora de construir, de mudar, de provar outros sabores. E como dizia o amado Caio, para provar novos chás é preciso esvaziar a xícara.
    Pois bem, vamos esvaziar a xícara, a casa, vamos arrancar os papéis das paredes e esquecer toda aquela fossa, toda os erros passados. E vou mudar.
    Por que não? Faz bem. Mudar é como pegar um ticket na fila de um parque de diversão e andar em todos os brinquedos, é como sair por ai com milhares de possibilidades. Acordar e perguntar “eai, o que vai ser de hoje?”. Mil possibilidades e você pode fazer todas, você está mudando! Afinal, nada continua a mesma coisa, nada é hoje o que será para sempre. É preciso entrar no curso da vida antes que estejamos perdidos no esquecimento.
    Dizem que quando a gente muda a gente vai pra frente, e é verdade, a gente deixa milhões de coisas para trás, esquecidas e se esquece também de muita gente, mas eu acredito que o que tem que ser será e o que tiver que ficar ficará, com ou sem mudanças, aquilo que tem força, permanece. E por isso hoje, é já um novo dia.




Annabel Laurino