Quem a olhasse naquele momento acreditaria sim que era do tipo de pessoa ultramoderna, sentada na cadeira de frente para a escrivaninha, a taça de vinho do lado enquanto checava os e-mails com os cabelos presos em um coque bagunçado e os óculos caindo delicadamente pela ponte fina do nariz. Era o tipo de pessoa de aparências. Completamente centrada. Profundamente descontrolada.
Pegou o telefone e apertou uma tecla qualquer, nenhuma mensagem ou ligação, a não ser os recados impertinentes que o chefe havia deixado na caixa de voz. Dane-se o mundo, pensou amarga, tomando mais um gole da bebida fedorenta.
Abriu a janela e acendeu um incenso de jasmim. Era quarta-feira, quartas tendiam a ser dias muito ansiosos, a espera do feriadão e final de semana, a espera pelo descanso que qualquer pessoa precisa. Mas ela não queria descanso nenhum, seus finais de semana ultimamente vinham a ser muito mais tediosos do que qualquer segunda feira podia prometer a ser, muita chuva, muito choro acompanhado de filmes dramáticos e antigos com um pote de sorvete ao colo.
Não era o tipo de pessoa que se ocupada de seu oficio com leitura. Na sua cabeça, livros eram necessários para entrar na onda do “todo mundo ta lendo”, nada mais. Cansativo, out, old, nem pensar.
Passou a mão pelas bochechas descarnadas e sentiu um dó de si mesma que não cabia dentro de si, teve vontade de gritar. Teve vontade de estar na rua naquele exato momento, com o carro empenhado no transito da Paulista só pra poder gritar com um ordinário barbeiro qualquer. Nesses momentos a infelicidade de se estar no lugar errado e não ter com quem gritar é deprimente.
Passou a mão no telefone e não pensou. Não iria mais pensar em nada.
Trabalhava num escritório de direito em um prédio movimentado. Passava horas do seu dia trancada numa sala assinando papéis e falando palavras difíceis com gente que as vezes não entendia metade. Os quatro anos e meio da faculdade faziam-na se arrepender nos dias em que o sol aglutinava nas vidraças do prédio e não tinha para onde correr. Por isso se liberou a uma loucura qualquer, uma locurinha tola de meia tigela, quem iria perceber?
Digitou o número gravado na memória mais até mesmo que a senha do cartão de crédito. Atendeu depois de três chamadas, a voz ruída e um pouco bamboleante.
- Alô?
- Oi. Sou eu. – parecia tímida e a voz tremida como a de uma criança com medo de entrar em um quarto escuro.
- Ah ! Você! Como vai, ta tudo bem?
- É... To sim, e você?
- To bem também. Faz tempos que não nos falamos, desde o que? A festa na casa do Mário?
- É...
A conversa emergia para o ponto de repouso depois do ápice de um reencontro casual. E agora? Fazia o que? Era partir para o ataque ou deixar a conversar morrer em uma desculpa clichê para saber se o brinco da avó não ficou na casa dele, por acaso, simplesmente.
- Estou surpreso de você me ligar, não nos falamos há tanto tempo.
- Senti saudades. – mordeu o lábio com força empurrando a vergonha para dentro com mais um gole de vinho fétido.
- Uau. – pareceu nervoso, se não o conhecesse tão bem não saberia que estaria nesse exato momento passando a mão pela nuca e soltando um sorriso enviesado.
- Faço mal em te ligar essa hora?
- Não... N... Mal nenhum. Foi bom você ligar, pensei em você ontem, achei um filme que vimos juntos passando na televisão e lembrei do ensopado de carne que inventamos de fazer mas saiu tudo errado. Lembra?
- Saiu tudo errado naquela noite... – se permitiu uma risada lembrando-se do acidente com as panelas.
- Gosto de ouvir seu riso, é tão bom.
- ...
- Por que você parou de atender minhas ligações? Foi tudo tão rápido...
- Exatamente, achei que tudo entre a gente estava indo tudo muito rápido.
- Sempre com medo do que é bom.
- Eu sei.
- To indo ai.
- O que?
- Você não me ligou só pra dizer olá, não é mesmo? Então que tal a gente pular as entrelinhas, eu to sozinho, você também, somos dois adultos tal como manda o procedimento, e chego ai em cinco minutos, levo um vinho.
- Ah... Vinho não, tudo menos vinho. – olhou a garrafa em cima da mesa, abominando-a.
- Prometo levar um vinho gostoso, sei que você tem um péssimo gosto para vinhos. – ele riu, uma risada divertida.
- Você me conhece.
- Mais do que deveria.
- Mais do que eu queria.
- Pelo menos você irá beber um vinho decente.
- E talvez mais que isso... – sorriu olhando seu reflexo no vidro da janela.
- Estou chegando.
- Estou te esperado.
Foi até o banheiro e borrifou perfume nos pulsos, soltou os cabelos que despencaram em uma cascata ondulada, tirou os óculos e passou seu batom rosa, depois colocou os óculos novamente. Com um cara como ele as aparências do que não era eram postas de lado. Com um cara como ele, ela sabia que podia ter muito mais do que uma quarta feira prometia, e quem sabe, todos os dias da semana. Todos que viessem.
Annabel laurino
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