sexta-feira, 26 de abril de 2013

Preciso

    Eu preciso de alguém carinhoso e compreensivo, que não vá entrando na minha vida e chutando tudo longe e querendo mudar os centímetros quadrados de pensamentos que eu levei a vida inteira para reagrupar. Que me ajude quando a mesmice diária bater e eu tiver vontade de prender a cabeça no vão da janela e fechá-la com uma só batida. Que me abrace forte e prometa que tudo vai ficar bem, mas que não seja uma promessa dessas que exija prazo para ser cumprida, apenas dessas que se cumprem progressivamente ao longo que a sua mão for pegando da minha e os seus beijos forem beijando-me e tudo for ficando doce ao longo do tempo. E então tudo ficará bem.
    Uma pessoa que me faça esquecer dos dias escuros e me lembre que sempre haverá um sol lindo e se ele demorar a nascer, bem, subimos no telhado e admiramos a luz da lua e a brilho essência das estrelas. 
    Alguém que dê um jeito de me fazer sorrir e não me deixe ser tão bruta com os sentimentos e tão fria com as emoções, em outras palavras, alguém que me toque. É, lá fundo e profundo de um jeito que se vai aos poucos e com cuidado que é para não me assustar de repente e fazer meu lado medrosa sair correndo. Que me dedique musicas, me dê flores e me faça cafuné, que me deixe ser e estar. Que tenha o abraço mais gostoso do universo e que simplesmente mate minha sede de mundo numa só fisgada de beijo, que passe segurança como se a noite não fosse fria e os dias não fossem terrivelmente longos, apenas pelo fato de estar ali, naqueles braços longos que façam voltas no meu corpo. Alguém que não me abandone por ser doida, cheia de manias, com compulsões por livros e roupas e que fale o tempo todo. 
    Alguém que entenda tudo isso e realmente queira ficar, porque sabe que aqui nesse coração vasto, comprido, remendado, há uma casa bonita, humilde é verdade, mas que tem luz e jardim bem cuidado, varanda perfeita, torta de maça refrescando na janela, lareira acessa e canecas de chocolate quente servidas, sofás com almofadas fofinhas e bordadas a mão, um cheirinho de lar, uma vontade de ser lar para alguém e de abraçar um mundo que não é meu e fazer logo alguém feliz. Sabe, alguém que vai saber que do lado de fora dessa casa irá eventualmente chover sim e o jardim ficará meio sem cuidados vezes ou outras, mas sempre tudo terá um jeito especial de ser. E esse alguém realmente cuidará disso, para que seja especial.
    Para que seja doce.



Annabel Laurino


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Você deixou de ser

    Acabei de ouvir aquela musica que te gravei num CD uma vez e lembro que eu adorava ouvir ela várias e várias vezes repetidamente porque me lembrava tanto da gente. Talvez você nem lembre, foi no terceiro mês, e eu te entreguei ele toda feliz, o CD, com as quatro musicas gravadas, devidamente escolhidas, uma para cada semana que se passou nos trinta dias. E estava lá, a primeiríssima da lista, a que eu escutava sozinha logo depois que te conheci e nunca tive coragem de te mostrar ela porque a achava um tanto boba, tão diferente das musicas que tu gostavas de ouvir. Mas ela tava lá, a primeira faixa. Us. 
    Lembro de tudo isso porque eu sei do tempo que gastei escolhendo as musicas e me preocupando o que irias achar. Mas você não achou nada. Você só disse obrigada, sorriu, me deu um beijo no rosto e colocou o CD em cima da mesa da sala sem nem me perguntar do porque das musicas, o por que elas estavam ali. 
    Tocou November Rain hoje no aleatório do meu telefone e eu não selecionei a opção 'próxima'. Eu escutei até o fim, até a musica acabar. E quer saber? Eu cantarolei junto, eu sorri, eu fiquei contente, eu não chorei. Eu ouvi de novo e mais uma vez e tudo que restou no final de cada repetição da musica foi que você não estava mais lá na lembrança dela. 
    É verdade que o dia cinco de novembro do ano passado ainda ta aqui na minha memória. Choveu horrores naquele dia. Noite quente e depois chuva. Muita chuva. E você me entregando as rosas com cartão escrito com letra bonita e meio transparente com teu nervosismo. Você reservando aquela mesa daquele lugar bacana para me pedir de uma vez o que já vinhas tentando a um ano. Depois cheguei em casa contigo, ficamos juntos e quando fosses embora eu escutei November Rain e cantei e cantei e fiquei feliz porque era a nossa musica. A musica que tocou no carro da tua mãe enquanto a gente voltava da praia, que tocou no teu quarto enquanto a gente ficava juntos, que tocou quando a gente brigou e eu fiquei mal e depois quando fizemos as pazes e tava tudo bem. 
    A promessa era que nada dura para sempre baby, nem mesmo a fria chuva de novembro. 
    E não durou, é verdade. Não durou.
    Por isso que quando ela começou eu deixei que tocasse só pra ver o que eu sentia depois de tanto tempo sem nem querer pronunciar o nome dela logo quando tu sumiu daqui. E tudo o que eu senti foi saudade de um tempo antigo e que não existe mais. E se existiu um dia, vai saber, foi só na minha cabeça. Porque eu não senti mais nada depois que a musica acabou.
    Só para testar os meus sentidos eu ouvi Patience, ouvi This I Love e Street of Dreams. Nada. Nadinha. Só aquela emoção maravilhosa que a voz incrível do Axl e os solos alucinantes do Slash sempre me causam. Só isso. 
    Vi nossas fotos, li os seus raros cartões, um ou dois. Reli de novo. Eu não achei mais nada além daquilo que estava ali. E nas fotos só o que a gente deixou de ser um dia e que ficou lá atrás e nunca mais voltará a ser. 
    Eu me perguntei até que ponto a gente era feliz juntos ou era só eu que achava que éramos incríveis feito uma dupla dinâmica que foi feita para dar certo. Eu me perguntei em que ponto foi que você deixou de ser o que eu acreditava que você era e passou a ser o que você é hoje ou você sempre foi isso e eu nunca percebi. Não sei. Só sei que você deixou de ser. E quando eu ainda olho pra você e te vejo falar, do outro lado da mesa, daquele jeito seu de sentar, eu percebo tanta coisa sua que não é mais minha e que ficou agora só na minha memória. Aquele jeito todo de que eu gostava sumiu e foi substituído por algo novo, uma cobertura estranha e de que eu não saberei jamais identificar.
    Ficou tantas coisas suas por aqui. Tem tanto de você em qualquer lugar que eu vou ou qualquer musica que eu escuto ou qualquer roupa que eu coloque, porque eu ouvi aquelas musicas com você, estive naqueles lugares contigo e vesti minhas roupas nos nossos encontros. Mas tudo isso continua firme, o que passou de verdade foi a emoção. Não existe mais. A gente deixou de existir que nem pintura com tinta a guache. Facilmente e numa só lavada. 
    Eu sei que poderia ter sido eterno e podia ter ficado com toda a força. Mas não ficou, não durou. E a unica certeza que eu tenho é que a culpa não foi minha e ainda continua não sendo mais minha. Foram suas incertezas e suas inconstâncias que colocaram tantos pontos finais nas nossas delongas gostosas de curtir. Eu que sempre fui de certezas, eu que sempre fui de saber o que eu quero. 
    Você deixou de ser, meu caro. Você não está mais lá e não estará nem mesmo depois de amanhã. Você deixou de ser o cara que eu comparava com o meu Beatle favorito. A sua barba já não é mais a barba que eu gosto e seus dentes já não são mais tão perfeitos assim. Seu cabelo nem se quer mais me chama a atenção. Eu esqueci como tu caminhas, eu não lembro mais como tudo começou e como foi que você chegou aqui. Você deixou de ser o amigo querido e suas partidas se tornaram tão decoradas e cheias de roteiros já lidos e scripts falhados. Todo mundo sabe que você é o cara confuso e meia duzia de gente se levanta da poltrona antes do filme acabar, ninguém suporta um cara que não sabe o que quer. Ninguém quer um mocinho perdido e que não agarre logo a protagonista e a puxe forte pelos braços mesmo que ela queira partir. Ninguém gosta de gente encharcada de incertezas e paralisadas de medo.
    E eu sei. Eu sempre soube o que eu queria. A diferença é que agora não é mais com você. Não é mais com você que eu sei, e nem de você que eu já soube. De você que agora já deixou de ser e nunca mais voltará à imagem daquela foto nossa em que você sorri ao meu lado e congelado na cena, você é o que parece, exatamente como já foi um dia e não será mais.
    





Annabel Laurino




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