quarta-feira, 30 de maio de 2012

A visão das lentes embaçadas de eternidade


    Era um eterno agudo aquele. Tingia fino, na janela que eclodia toda a chuva. No céu escuro, o mundo jazia em caos. Dentro do quarto a eternidade fotografou o segundo. Que pendeu como gota d'água nos lábios da moça. Lambeu a gota. A gota sumiu na língua quente. As mãos que tocavam as suas, eram mãos quentes. 
    A eternidade sentava-se ao lado, de vestido longo, óculos de aros de tartaruga, tinha duas covinhas acima de cada sobrancelha, analisava a cena, curiosa. A gota que entrou pelos lábios da moça, escorreu por um de seus olhos que brilhava irradiante. O sol rugiu e o rapaz das mãos quentes soprou um murmúrio doce, a eternidade curvou-se para frente, faminta, com sua máquina fotográfica entre as mãos, estava ávida pela cena. O rapaz tinha belas sobrancelhas negras, a moça, belos ombros redondos e pequenos. O rapaz a puxou mais para perto. O mundo se desfez numa entoação múltipla, não tinha importância se acabasse, na verdade. A eternidade rabiscou em sua caderneta vermelha, arrumou o óculos que pendia pela ponte de seu nariz pequeno, o óculos muito grande para seu frágil rosto de formiga. A moça e o rapaz, como duas cores sendo misturadas em um galão de tinta, difundindo-se em mesclas de pedaços de pele, um tão preciso do outro.
    Ambos, não sabiam da eternidade, naquele momento tão especial, não sabiam sequer de sua pequenina presença ali. Não imaginavam que a eternidade estava naquele exato momento registrando tudo com suas minúsculas mãozinhas, uma disparando os momentos, a outra aguçando febril na ponta de uma caneta no papel. 
    A moça soluçou, doíam-lhe esses momentos de adeus. O rapaz soprou novamente, fazia isso quando contia fortemente o choro.
    A eternidade parou seu trabalho, não sabia se tocada pela cena, ou se cansada por exaustão, na verdade, era alguém muito sensível, que ninguém compreendia. Por ora, já havia registrado demais, estava gravada sua pequena parte naquele momento, um segundo. Um pequenino segundo. Como a gota escorregando frágil na janela do quarto. E o casal nem sabia de sua presença. Como um bilhão de gotas, em meio a uma variável de segundos, a eternidade eclodiu naquele momento, em tantos outros. Explodindo como alguém metendo o pé numa poça. Não sabia se era o pé que explodia a poça, ou era a poça que era explodida pelo pé. A cena embaçou-se. Não pelos olhos chorosos da moça, não pelo frio cortante. Eternidade havia partido. O sentido se desfez. 
    Ah, a eternidade. Coisa frágil essa. 


Annabel Laurino.


Nenhum comentário: