sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O sopro desesperado do Destino


    “- Esta tudo bem meu amor, - ela dizia – esta tudo bem. Tudo isso vai passar.
     Embora suas palavras fossem doces e resvalassem em seus lábios secos e brancos. E embora sua vontade fosse de gritar e chorar, seu medo de transparecer na dor, como há uma mascara estampada em seu fino rosto angelical, decidiu por não dizer nada. Por guardar seus sentimentos em uma caixa rasa e vazia, atulhada de já tantos sentimentos que ela colocava lá dentro, todos os dias. Por ora, resolveu partir, e por ora resolveu não mais escutar. Largou a mão do homem que amava, amarrotou os scripts bem bolados nas noites de insônia e partiu, não deixou rastros e nem pistas. Partiu deixando a dor. A dor das brigas, da opulência exagerada da perfeição, da irritação dos motivos de não darem certo, da raiva por não terem saída, se não, partir. Cada qual para um lado só da vida.
    Até que a manhã tardia chegou sem demora, mostrou no calendário mais um dia desde aquele dia triste em que partiu, e a moça jovem arruivada de sua memória fresca já sabia, fazia um tempo em que ambos haviam ido embora. E por isso não esperou o escurecer da manhã e nem a chegada da canção dos pássaros e muito menos do sol aguardando contente na soleira de sua janela. Abriu a porta de sua casa e partiu pelo trajeto de sempre, acompanhando seus passos aos seus medos e suas lembranças que aguardavam cozinhando lá dentro de si, pareciam borbulhar em passos e outros, mas ela não ligava, sabia para onde estava indo e contente por isso, também conhecia aquela sensação tão... desesperada de o querer tanto de volta. Estava acostumada com aquela sensação. Com a vontade insana de o arrancar de seus pensamentos e o colocar na sua vida real, lhe abraçar contra o corpo sozinho e quente e encharcar seu ombro de lágrimas de saudade.
   E por isso na chegada daquela manhã ela contente e descontente ponderava a felicidade crua como um objeto macio e frio, sem saber como pegar e manejar. Sabia até mesmo como tê-la, a felicidade, mas por oras de seu orgulho e de sua falta de fé, não sabia, e nem podia, manejar a felicidade, como todas as outras pessoas normais que conhecia, e que invejava.
    Porém o que ela não sabia, o que ela não desconfiava, é que em um átimo de segundos poderia mudar tudo de uma vez. Talvez, ela podia pensar depois, se houvesse se demorado mais em frente ao espelho naquela manhã, amaciando seus cabelos, ou escovando os dentes, ou se tivesse emperrado a sola do sapato em uma calçada esburacada, se houvesse perdido o ônibus, atendido ao telefone e parado para conversar, se houvesse visto um conhecido na rua e parado para cumprimentar. Qualquer coisa. Qualquer coisa sem sentindo e insignificante, naquela manhã poderia transformar todo e qualquer acontecimento do destino. O inigualável e inegável destino.
    E sem saber como, um sopro de sentidos lhe aguçou a mente, e de repente era ele á sua frente. Ele a figura inestimável se seu sofrer, ele que ela havia negado e querido tanto, muito mais do que tudo que pudesse imaginar, ele que a entendia e que a compreendia, e que mais que tudo, ele a amava. Ela olhou seus olhos sem saber e nem ver cor alguma, enxergando apenas a si própria por reflexo deles na sede insana de encontrar qualquer sentido naquele vasto momento inexplicável, e viu um sorriso brotar nas faces brandas daquele homem que tanto amava. E de repente não havia mais roupas que lhe mantivessem vestidas como a uma armadura fechada e nem caixas que sobrepujassem sentimentos negados ou vazios. De repente tudo fez sentindo e como numa comédia, dois bobos incrivelmente apaixonados que se machucavam até o fim, tomaram-se em seus braços, agarrados na fome do beijo, na sede escapista de encontrar noutro um caminho, uma explicação. E a realização fixa de que tudo, mas qualquer tudo que ela havia dito antes, podia fazer sentido agora.
    Ah sim, agora sim, tudo ficaria bem, a jovem pensou.

Annabel Laurino.

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