Bons tempos quando me deleitava como uma pétala vazia e seca
sobre a cama quente e solitária. Bons tempos quando a mente nada guardava e o
coração era apenas um compartimento que preenchia-se de lembranças, bons
momentos, amigos e família. Amor com linha marcada. Nada tão ultrapassado
assim.
Ninguém perfurava a
minha bolha indiferente e ninguém me tocava, cutucando lá dentro as coisas mais
secretamente envolvidas dentro de mim.
Agora é como
correr contra o tempo, arrancar pedaços das paredes, chorar pelos cantos,
soltar suspiros e pedir milagres sem fim. É como morder um pedaço de uma trufa,
fechar os olhos e sentir o sabor, quando abri-los descobrir-se louco e insano,
vertiginosamente viciado na trufa, até entender que ela, a pequena a trufa, é
minúscula de mais para satisfazer tanta devoção e vicio.
Que culpa tem a
pobre trufa? Culpa tenho eu que não resisti em mordê-la, em comer seus flancos
pedaços gostosos que multiplicavam-se gostosamente em picadelas agudas
derretendo na ponta da minha língua quente, cada toque vaporosamente mais
forte, mais preso, mais tocável e sentido. Não podendo fugir, sensações brutas
latejando sem parar. Como sair disso? Desse englobamento colossal e reticular
nervoso que só me recria e cria, me cola e me puxa em sabor, calor...
Bons tempos... É
verdade. Quando não sentia nada. Pesada feito pedra, fina e seca como papel. Me
divertia solitariamente em colar figuras alegres nas paredes do meu quarto,
dormir tranqüila no ressoar da noite, deitar a cabeça no travesseiro e só
pensar no que fazer do outro dia, do quão legal foi ler determinado livro e o
quanto a tarde de domingo foi divertida tomando café e rindo com as amigas...
Puft.
Algo estourou e me
vejo perdida. Com uma trufa quente nas mãos e um gosto agridoce na boca
espalhando-se com urgência para determinadamente todos os lugares de mim. Não
sei mais o que fazer. Não consigo lhe tirar de mim.
Annabel Laurino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário