terça-feira, 18 de outubro de 2011

Bons tempos quando...


    Bons tempos quando me deleitava como uma pétala vazia e seca sobre a cama quente e solitária. Bons tempos quando a mente nada guardava e o coração era apenas um compartimento que preenchia-se de lembranças, bons momentos, amigos e família. Amor com linha marcada. Nada tão ultrapassado assim.
   Ninguém perfurava a minha bolha indiferente e ninguém me tocava, cutucando lá dentro as coisas mais secretamente envolvidas dentro de mim.
    Agora é como correr contra o tempo, arrancar pedaços das paredes, chorar pelos cantos, soltar suspiros e pedir milagres sem fim. É como morder um pedaço de uma trufa, fechar os olhos e sentir o sabor, quando abri-los descobrir-se louco e insano, vertiginosamente viciado na trufa, até entender que ela, a pequena a trufa, é minúscula de mais para satisfazer tanta devoção e vicio.
   Que culpa tem a pobre trufa? Culpa tenho eu que não resisti em mordê-la, em comer seus flancos pedaços gostosos que multiplicavam-se gostosamente em picadelas agudas derretendo na ponta da minha língua quente, cada toque vaporosamente mais forte, mais preso, mais tocável e sentido. Não podendo fugir, sensações brutas latejando sem parar. Como sair disso? Desse englobamento colossal e reticular nervoso que só me recria e cria, me cola e me puxa em sabor, calor...
   Bons tempos... É verdade. Quando não sentia nada. Pesada feito pedra, fina e seca como papel. Me divertia solitariamente em colar figuras alegres nas paredes do meu quarto, dormir tranqüila no ressoar da noite, deitar a cabeça no travesseiro e só pensar no que fazer do outro dia, do quão legal foi ler determinado livro e o quanto a tarde de domingo foi divertida tomando café e rindo com as amigas...
   Puft.
   Algo estourou e me vejo perdida. Com uma trufa quente nas mãos e um gosto agridoce na boca espalhando-se com urgência para determinadamente todos os lugares de mim. Não sei mais o que fazer. Não consigo lhe tirar de mim.

Annabel Laurino.

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